TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
607 acórdão n.º 544/14 F) Por outro lado, ainda segundo ensinam os aludidos Professores, na citada obra, p. 391, para além das restrições previstas na Constituição, há que acrescentar as restrições não expressamente autorizadas pela Constituição para captar aquelas restrições que são criadas por lei sem habilitação constitucional, mas que não podem deixar de admitir-se para resolver problemas de ponderação de conflitos entre bens ou direitos constitucionais. G) Ainda segundo o entendimento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, consideração particular neste contexto exige o caso em que a lei pretende revelar limites que não se encontram previstos ou mencio- nados na Constituição, mas que hajam de entender-se implicitamente decorrentes do seu texto, designada- mente por efeito de colisão de direitos: são as restrições não expressamente autorizadas pela Constituição, tradicionalmente conhecidas como limites imanentes”. H) Quanto à questão da Liberdade Religiosa, também o Acórdão da Relação do Porto de 19 de fevereiro de 2008, concluiu que a liberdade religiosa e de culto terá necessariamente de ter limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigentes numa comunidade civilizacional e pelos valores fundamentais nela consa- grados e defendidos, como sejam – na comunidade em que nos inserimos – a liberdade, os direitos alheios a ordem pública e a realização da justiça. Valores e objetivos estes que não podem ser violados ou impedidos por motivos de cariz humanista e racional em que a nossa comunidade de cidadãos se alicerça não podem ser postergados por princípios e práticas religioso/as, como sejam, v. g. , a admissão de certas mutilações físicas ou da poligamia – cfr. António Leite, “A Religião no Direito Constitucional Português” in Estudos sobre a Constituição, 1978, 2.º, pp. 265 e segs. Nesta vertente ao Estado já assiste o poder/dever de, através da função jurisdicional, garantir proteção jurídica a todo aquele que vir os seus direitos ou interesses juridicamente relevantes questionados ou violados por opções, atitudes ou cultos religiosos iníquos e intoleráveis, de forma a preveni-los ou repará-los, constituindo este um direito fundamental com assento constitucional – artigo 20.º, n.º 1, da CRP. l) A LLR, no seu artigo 6.º n.º 1, estabelece precisamente que a liberdade de consciência, de religião e de culto, só admite as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. J) O próprio Projeto de Lei 27/VIII, do qual resultou a LRR, refere a necessidade desta lei face à existência de limites imanentes aos direitos fundamentais que resultam da possibilidade de conflitos entre eles ou deles com interesses constitucionalmente protegidos. L) Destarte, contrariamente ao pretendido pela recorrente, seguindo o ensinamento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira e na esteira do entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de fevereiro de 2008, na medida em que se revela indispensável para resolver problemas de ponderação de conflitos entre bens ou direitos constitucionais, ter-se-á de concluir que a LRR consubstancia uma verda- deira lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, conforme previsto na própria CRP. M) Não assumindo, portanto, o direito de liberdade de religião consagrado no artigo 41.º da CRP a natureza de um direito absoluto, admite as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucional- mente protegidos. N) Com a LLR foi propósito do legislador, precisamente, o de encontrar o necessário equilíbrio entre o direito à liberdade religiosa e outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, no que concerne ao seu artigo 14.º, os legítimos direitos das entidades empregadoras, não esquecendo, como não poderia deixar de ser, o princípio constitucional da igualdade. O) Conforme se disse, a LLR resultou do Projeto de Lei n.º 27/VIII, no qual, com referência ao artigo 14.º da LLR, pode ler-se o seguinte: “(…) o direito de suspender o trabalho nos dias de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam (…) deve compatibilizar-se com os direitos da entidade empregadora e com o princípio da igualdade”. P) Conforme bem refere o Acórdão recorrido, citando o entendimento vertido na douta sentença proferida em primeira instância, decorre claramente desta exposição de motivos, que ao procurar salvaguardar e assegurar
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