TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

606 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL esse sacrifício, por ser opção sua escalá-la para os turnos da tarde de sexta-feira, em vez dos turnos da manhã, havendo meio mais adequado e menos penoso, aliás, sem penosidade para qualquer das partes, de respeitar o direito da recorrente. 35. Em suma, as faltas dadas pela recorrente, dadas como provadas nos autos, aconteceram no período das festividades e observância do período de guarda da sua convicção religiosa, exercendo a recorrente o legítimo direito protegido pela Lei Fundamental do nosso país, pelo que o processo disciplinar em mérito e as suas consequências, como o despedimento, só poderiam ter sido – porque são – julgados nulos e sem produção de efeitos, o mesmo se dizendo das decisões judiciais ordinárias que lhe reconheceram validade, por cercearem inconstitucionalmente um direito pessoal e fundamental, com proteção da Lei Fundamental, que é primária e que se impõe à LLR e quaisquer restrições por ela criadas ao exercício deste direito. 36. Com efeito, a interpretação feita da redação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR não é aceitável, pois nem sequer seria a solução possível capaz de garantir um justo equilíbrio de interesses em conflito com dignidade constitucional, até porque aquele que é mais prejudicado possui uma indiscutível supremacia hierár- quica formal e material na ordem de valores da CRP. 37. Foi portanto violada a CRP, nomeadamente, atendendo ao previsto nos artigos 41.º, 13.º, n.º 2, 18.º n.º 1 a 3 e 8.º, n.º 2, em concreto, o direito à liberdade religiosa, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e o primado do Direito Internacional. Termos em que a alusão feita pela Recorrida ao não preenchimento dos requisitos legais cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001 de 22 de junho, de ora em diante LLR), que é lei ordinária, para negar à recorrente o exercício da sua liberdade religiosa não se pode deixar de considerar incons- titucional – tal como as decisões dos tribunais de primeira e segunda instância, que confirmaram a posição daquela – pois restringe e condiciona de forma ilícita, à luz da CRP, o exercício do direito constitucionalmente consagrado e especialmente protegido pela CRP, só assim se fazendo Justiça». 4.5. Por seu turno, a recorrida apresentou contra-alegações, concluindo (cfr. 547-556): « A) Pretende a recorrente com o presente recurso ver reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa/LLR (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho), na medida em que no seu entender, impede o exercício da sua liberdade religiosa, restringindo e condicionando de forma ilícita, à luz da CRP, o exercício de um direito constitucionalmente consagrado. B) Salvo o devido respeito e sempre salvo melhor opinião, não assiste razão à recorrente, inexistindo qualquer inconstitucionalidade do preceito em questão. C) O direito à liberdade religiosa encontra-se consagrado, como direito fundamental, na CRP de abril de 1976, nomeadamente no seu artigo 41.º, dele resultando que a todo o cidadão deverá ser reconhecida a faculdade de ter ou não ter religião, professar esta ou aquela, mudar de crença, praticá-la só ou acompanhado de outras pes- soas, agrupar-se com outros crentes formando confissões ou associações de caráter religioso, sempre sem que tal possa ser objeto de qualquer tipo de coação injustificada, exercida por qualquer pessoa ou autoridade pública. D) O direito à liberdade religiosa, consagrado no artigo 41.º da CRP, diz respeito aos direitos, liberdades e garantias, pelo que é diretamente aplicável, vinculando as entidades públicas e privadas (n.º 1 do artigo 18.º da CRP), sendo que a sua restrição só pode ser feita através de lei, limitada ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial daquele direito (n. os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP). E) Conforme ensinam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portugue- sa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª Edição, p. 382, o facto de ser diretamente aplicável não significa que as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias configurem, desde logo, direitos subjetivos absolutos e autónomos suscetíveis de poderem valer como alicerce jurídico necessário e suficiente para a demanda de posições jurídicas individuais.

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