TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

605 acórdão n.º 544/14 reconhecimento da parte que tem cumprir a obrigação, o que não se pode admitir; a primazia e a aplicabilidade direta do direito à liberdade religiosa não se poderia ter olvidado no ato legislativo que coarta assim o exercício do núcleo essencial deste direito, pondo nas mãos de terceiros a possibilidade do seu gozo, se, por hipótese, for eventualmente reconhecido. 25. Ignorou a sua substancialidade própria, delimitável independentemente de eventual colisão de direitos, verificada no caso concreto. 26. Além disso, o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR exige que o candidato à dispensa seja trabalhador com horário flexível: ora, para além de este conceito ser indeterminado e francamente compli- cado de preencher, a dificuldade aumenta quando o mesmo foi decalcado de outro ordenamento jurídico – o italiano – onde os conceitos legais que podem ajudar à sua concretização subjazem em premissas totalmente diferentes; a incongruência, plurissignificância e lapso legal subjacente a este preenchimento conceptual ditam, desde logo, a sua inconstitucionalidade quando é tentada uma interpretação conforme a CRP, não contrária ao texto e ao programa constitucional. 27. De facto, há no ordenamento laboral português trabalho por turnos, trabalho com isenção de horário, trabalho suplementar, e, apenas em alguns casos – pais, para assistência a filhos – há horário flexível, o que, na prática, impede quase toda a população laboral de gozar o direito previsto na LLR com a restrição da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR, e torna a sua aplicação limitada, concreta e não generalizada, ao arrepio do n.º 3 do artigo 18.º da CRP, penalizando ainda a maioria dos trabalhadores, o que viola, só por si, o direito constitucional à igualdade. 28. E, nem mesmo do ponto de vista da proporcionalidade é possível justificar o preceito infraconstitucio- nal limitativo, pois a restrição a fazer ao princípio em causa teria de ser a menos agressiva e intensa possível, do ponto de vista material, espacial, temporal e pessoal, e não é. 29. Em primeiro lugar, materialmente, está em jogo um interesse de relevância supra – constitucional e com primado sobre os outros direitos a proteger com a restrição legal: o contrabalanço valorativo daquele direito pessoal com o interesse social da autonomia privada e direito à empresa resulta na conclusão da sobrelevação do direito pessoal sobre o direito patrimonial, que, ao contrário daquele, até admite restrições legais autorizadas constitucionalmente (e não são poucas). 30. Em segundo lugar, temporalmente, a lei também não respeita os ditames da proporcionalidade, que exigem que permita, de forma ampla e abrangente, o gozo do direito que restringe: o horário flexível tem limite temporal legal, que é o atingir dos 12 anos por parte do filho de quem o goza. 31. Mesmo a nível pessoal, e como já se referiu, também sob esta análise da proporção, devendo preferir-se restrição que atinja um número reduzido de trabalhadores, o que aqui se verifica é uma restrição alargada, pois a janela de utilidade do preceito, o preenchimento da alínea a) é apenas possível a um número muito reduzido de trabalhadores. 32. E, no caso concreto, convém também frisar a atuação da entidade empregadora, que, alegando-se lesada, culpa teve nessa lesão, pois sempre teve e deteve o poder de escalar a recorrente para turnos da manhã, à Sexta-feira, quando o turno da tarde se prolongasse para lá do pôr do sol: da análise à luz do princípio da necessidade e da exigibilidade, da adequação, enfim, da proporcionalidade, não sobrevivem argumentos de valor para a posição da Recorrida. 33. Pelo contrário, a Recorrida sempre insistiu, durante três anos, e após onze anos de paz social entre as partes, relativamente ao exercício desse direito religioso, em por a recorrente a trabalhar em turnos à sexta-feira à tarde, cujo término era após o pôr do sol, bem sabendo que esta iria abandonar o posto de trabalho, por moti- vos religiosos (constitucionalmente protegidos) e assim prejudicar a empresa a sua própria folha disciplinar e subsistência, colocando-a sempre perante um enorme confronto dilema moral e religioso, para além de pressão psicológica sobre optar pelas suas convicções religiosas e cumprimento das suas funções com assiduidade. 34. O peso e sacrifício pedido à recorrente, na ótica da proporção, na avaliação da necessidade, maior era do que o apresentado à Recorrida, pois a recorrente é que viu os seus direitos laborais legalmente consagrados, e adquiridos, serem gratuitamente violentados pela Recorrida, sem sequer ter necessidade de exigir à recorrente

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