TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL proteção e validade e eficácia plena do direito à liberdade religiosa mesmo em estados constitucionais de sítio ou emergência. 14. O problema surge quanto o n.º 1 do artigo 14.º da LLR prevê, para o exercício desse direito, três requisitos cumulativos cuja necessidade (e dificuldade) de preenchimento compromete seriamente os princí- pios constitucionais aqui em análise, por se entenderem postos em cheque por esta mesma norma ordinária. 15. Na realidade, permitir apenas a funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como a trabalhadores em regime de contrato de trabalho o direito ao gozo de dias religiosos se e só quanto (a) trabalharem em regime de flexibilidade de horário, e quanto (b) a igreja ou comunidade religiosa inscrita tenha enviado no ano anterior ao membro do Governo competente em razão da matéria a indicação dos refe- ridos dias e períodos horários no ano em curso e só quando (c) puder haver compensação integral do respetivo período de trabalho. 16. Ora, tenha-se em mente que o dia de descanso semanal obrigatório para a religião da recorrente é o Sábado e não o Domingo, como acontece para a maioria religiosa de Portugal, católica: daí se aplaudir a previsão expressa da possibilidade de dispensa do trabalho para crentes doutras fés que outro dia que não o Domingo prevejam para o culto; o que já não se pode aplaudir é a restrição marcante, feita pela previsão legal, à possibilidade de gozar dessa dispensa, que, em termos práticos, fica vedada à maioria dos indivíduos trabalha- dores e crentes praticantes, que não pode deixar de ser considerada inconstitucional. 17. Com efeito, a restrição feita pela lei ordinária em discussão é inadmissível à luz da CRP, e, mesmo que assim não fosse, seria uma solução francamente desproporcional, cuja qualificação de inconstitucional também adviria por meio dessa interpretação. 18. O artigo 41.º da CRP não admite qualquer restrição, porque este direito não faz parte dos casos previs- tos constitucionalmente que admitam a criação de limites, conforme artigo 18.º, n.º 2 da CRP; pelo contrário, prevê-se expressamente o seu caráter inviolável, e a insusceptibilidade da sua suspensão em situação de estado de sítio ou emergência. 19. Além disso, é diretamente aplicável e vincula imediatamente, tanto entidades públicas como privadas (n.º 1 do mesmo artigo 18.º da CRP), pelo que as alíneas do n.º 1 do artigo 14.º da LLR ao estabelecerem a restrição do direito em causa, sem a necessária autorização constitucional, padecem, imediatamente, de incons- titucionalidade material. 20. Para além disto, mesmo que se previsse lei restritiva, esta nunca poderia atingir o seu conteúdo essen- cial, nem tão pouco diminuir a extensão e alcance do mesmo, pois tal equivaleria a negar-se a liberdade de religião; pelo contrário, ao Estado compete legislar para proteger com medidas concretas – e não para restringir – o direito previsto. 21. Ora, o conteúdo essencial do direito à liberdade religiosa é atingido quando a limitação imposta não lhe deixa sentido útil, quando impede o seu exercício, que é exatamente a questão aqui em causa: a vedação à recorrente de prestar culto no seu dia santo, tendo sido despedida por o fazer, com base no não preenchimento dos requisitos do n.º 1 do artigo 14.º da LLR. 22. A questão foi, aliás, posta em torno do sacrifício do direito da entidade empregadora, mormente, o direito à autonomia privada e liberdade de empresa, também com assento constitucional, e é verdade é que qualquer lei restritiva só se justifica quanto serve para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos. 23. Mas mesmo as restrições legais, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da CRP, e tanto mais em relação a um direito fundamentalmente protegido, como o direito à liberdade religiosa, teriam que respeitar os requisitos constitucionais para a sua validade, e teriam de ser fruto de lei geral e abstrata, o que, atentos os requisitos do n.º 1 do artigo 14.º da LLR, patentemente não aconteceu aqui. 24. O legislador ordinário ao tentar prever legalmente a regulamentação de situações em que o exercício destes direitos implicasse prestações positivas ou negativas dos empregadores, deu ao exercício deste direito uma conotação subjetiva, no sentido de se estar a exercer um direito subjetivo no sentido restrito, regulado e concretizado por lei ordinária, no sentido de ser um direito a uma prestação, dependendo esse direito do

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