TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
603 acórdão n.º 544/14 doutrinas adotadas e observadas pelos seus membros, tem como dia de guarda o Sábado, considerando-se este período o tempo entre o pôr do sol de Sexta-feira até ao pôr do sol de Sábado: é uma das 28 crenças basilares desta religião e a aceitação e cumprimento das mesmas é pré-requisito para integrar este credo. 5. Ora, a partir de 20 de agosto de 2007, foi instituído na recorrente um regime de trabalho por turnos rotativos, um de manhã, outro à tarde, sendo que, quando a recorrente era solicitada para realizar trabalho ao Sábado, definido nos termos supra expostos (mormente, o turno da tarde de sexta-feira que se prolongasse após o pôr do sol), insistentemente, durante anos, informou a chefe de produção de que não estaria disponível para realizar trabalho após essa hora, por professar religião cujo período de guarda era desde o pôr do sol de Sexta- -feira até ao pôr do sol de Sábado, impedindo-a de trabalhar naquele período. 6. Não obstante, a Recorrida sempre negou à recorrente o exercício do seu direito à liberdade religiosa, por alusão ao não preenchimento dos requisitos legais cumulativos previstos no artigo 14.º da Lei 16/2001 de 22 de junho, a LLR, e que é lei ordinária, tendo-se, enfim, por a recorrente não trabalhar em regime de horário flexível negado à mesma o exercício da sua liberdade religiosa, despedindo-a após processo disciplinar, posição da entidade empregadora confirmada, ao arrepio da CRP, pela primeira e segunda instância. 7. Efetivamente, a recorrente entende ser diretamente atingido, no seu âmago, e com atuação da entidade empregadora e com as decisões dos tribunais, o seu direito constitucionalmente tutelado, desde logo, no artigo 41.º da CRP, respeitante à liberdade de consciência, de religião e de culto, que é inviolável e que também está consagrado expressamente no artigo 9.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberda- des Fundamentais, no artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 18.º do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, preceitos por si só obrigatórios para o Estado Português, por via dos n.º 1 dos artigos 8.º e 16.º da mesma CRP. 8. Este direito fundamental é de tal modo importante que a CRP lhe dá proteção reforçada, outorgando- -lhe o cunho de inviolável — apenas a par do que faz para o direito à vida — e não permitindo a sua restrição, nem sequer em situações de estado de exceção constitucional, conforme artigo 26, n.º 9 da CRP; 9. É portanto inviolável a liberdade de consciência, a liberdade de religião e a liberdade de culto, encaradas tanto na vertente individuai, como na vertente coletiva, e tanto dizendo respeito a condutas privadas, como a condutas públicas, n.º 1 do artigo 18.º da CRP, não sendo permitido qualquer constrangimento, tanto por entidades públicas (o legislador, os tribunais ordinários), como por entidades privadas (como a entidade empregadora) ao seu exercício, que inclui, naturalmente, a liberdade de observar dias de descanso e de celebrar as festas e cerimónias segundo os preceitos da própria religião em determinados dias. 10. A proteção dada pela CRP a este direito tem tanto uma dimensão positiva, como negativa, no sentido de, por um lado, o Estado dever, à luz da CRP, assegurar que ninguém, nem o próprio, impede alguém de professar a sua fé, como no sentido de, por outro lado, o Estado dever propiciar e permitir a quem é crente de determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorram em termos de rituais, de família e de ensino. 11. Assim, se o Estado, apesar de reconhecer aos cidadãos o direito de professarem uma religião, os puser em condições que os impeçam de a praticar, aí não haverá liberdade de religião, o mesmo sucedendo se não tratar de forma igualitária (assegurando a sua neutralidade religiosa) todas as confissões religiosas. 12. Exatamente para proteger e dar uma dimensão concreta à proteção constitucional consagrada no artigo 41.º da CRP, o legislador ordinário elaborou a LLR, pela Lei 16/2001 de 22 de junho: só que esta falha em respeitar o artigo 41.º e 13.º da CRP, no campo da previsão da sua aplicação prática, nomeadamente, no artigo 14.º da LLR, respeitante às dispensas do trabalho, de aulas e de provas por motivo religioso. 13. Na realidade, e antes da análise concreta, há que ter em atenção que a própria LLR pretende ser uma concretização do princípio prescrito na CRP, não se esquecendo sequer de repetir os princípios pelos quais se guia, mormente, liberdade de consciência, de religião e de culto — tanto em circunstâncias públicas como privadas, e de modo individual ou coletivo – o princípio da igualdade, o princípio da separação, o princípio da não confessionalidade do Estado e o princípio da tolerância, sublinhando a própria a não diminuição da
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