TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

599 acórdão n.º 544/14 Entre os comportamentos do trabalhador suscetíveis de integrar o conceito de justa causa temos a “Desobe- diência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores”, o “Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou do posto de trabalho a que está afeto” e as “Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa” – alíneas a) , d) e g) do n.º 2 do artigo 351.º Posto é, contudo, e como se disse, que tais práticas tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não bastando a verificação de um desses comportamentos, pois esse n.º 2 apenas se reporta ao primeiro elemento (comportamento culposo), sendo necessário que se verifiquem os restantes pressupostos referidos no n.º 1 para que se conclua pela exis- tência de justa causa de despedimento. Não esquecendo que, como já se referiu, a justa causa postula sempre uma infração, ou seja, uma ação ou omissão, de deveres legais ou contratuais. Esse ato ilícito culposo, que pode assentar em ação ou omissão do prestador de trabalho, será necessariamente derivado da violação de deveres obrigacionais principais, secundá- rios ou de deveres acessórios de conduta, relacionados com a boa fé no cumprimento do contrato. E o que é certo é que, no caso concreto, e como se decidiu na sentença, a factualidade provada é no sentido de concluir que a conduta da autora abriu tal crise contratual grave. Como se disse, assumiu um comportamento reiterado de ausência ao trabalho, a partir do pôr do sol da sexta-feira em que teria de cumprir o turno que terminava às 23 ou às 23h30, e de desobediência a ordens legítimas da entidade empregadora de prestar trabalho ao sábado, sendo que a justificação apresentada não tem acolhimento legal no citado artigo 14.º, n.º 1, da LLR. A partir de 2007, por mais do que uma vez, a autora foi chamada à atenção, nomeadamente pela respon- sável pelos recursos humanos e pela chefe de produção da ré, suas superiores hierárquicas, de que não podia abandonar o seu posto de trabalho às sextas-feiras, antes do termo do período normal de trabalho. A autora estava inserida numa linha de montagem, na fase de embalagem, a qual funcionava de uma forma sequencial, e cujo normal funcionamento depende do trabalho de todas as trabalhadoras que a integram. A falta da autora no decurso do seu período normal de trabalho e na linha de montagem onde estava colocada afetava a execução do trabalho, interrompendo a sequência de tarefas, originando um decréscimo na produção, causando, assim, um claro prejuízo à ré, circunstâncias que a autora bem conhecia. Pelos mesmos motivos, havia já sido alvo de 4 anteriores processos disciplinares, que culminaram com sanções progressivamente mais gravosas. Apesar disso, não se coibiu de continuar esse seu comportamento de faltas injustificadas e de desobediência. Não se tratou, pois, de uma conduta pontual, antes se repetindo, sendo certo que a autora bem sabia que não estava autorizada a agir assim. Sendo que o comportamento do trabalhador tem de ser analisado na perspetiva da sua projeção sobre o vínculo laboral, em atenção às funções que ele exerce e à possibilidade de estas subsistirem sem lesão irre- mediável dos deveres fundamentais inerentes, não era exigível à ré, face ao passado disciplinar da autora e às circunstâncias de facto, exatamente as mesmas em que fundou o despedimento, que estiveram na base dos procedimentos disciplinares anteriores, que optasse por sanção conservatória do vínculo laboral. Improcedendo, assim e também nesta parte, as conclusões do recurso. Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.» 4.3 Deste acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa veio interposto o presente recurso de constitucio- nalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, formulado nos seguintes termos (cfr. fls. 446 a 452): «A., A. e recorrente nos autos supra referidos em que é R. e Recorrida B., S. A., notificada a 19 de dezembro de 2011, na pessoa do seu Mandatário, do Acórdão proferido nos presentes autos, que negou provimento à apelação

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