TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

598 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assim que atingia a hora do pôr do sol, perfazendo o somatório dos períodos de ausência de cada um desses dias o total de 65 horas e 53 minutos.  Sendo que, em relação à situação da autora, está, como vimos, excluída a possibilidade de aplicação do regime previsto no artigo 14.º da Lei de Liberdade Religiosa, essas ausências, não autorizada nem justificadas, constituem faltas injustificadas, com a inerente violação dos deveres de assiduidade e pontualidade. E não tendo apresentado, nem existindo, motivo atendível para a recusa de prestação de trabalho suple- mentar, verifica-se a violação, por parte da autora e reiteradamente, do dever de obediência, sendo que desde 2007 que vinha sendo chamada à atenção pelas suas superiores hierárquicas por recusar prestar trabalho suple- mentar ao sábado – prestação a que estava obrigada – e que lhe foram movidos quatro processos disciplinares e aplicadas sanções sucessivamente mais graves. Mas como se disse, não basta a singela existência de uma infração disciplinar por banda do trabalhador para que se possa concluir pela impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato, que consubstancia a justa causa de despedimento. Sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que a atuação do trabalhador integre justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesma e nas suas consequências. O comportamento culposo do trabalhador só integrará justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, o que acontecerá sempre que a rutura seja irremediável, isto é, sempre que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento. Daí que não basta que o comportamento se integre numa das hipóteses exemplificativas do n.º 2 desse artigo 351.º, não basta a prova da materialidade dos factos, sendo necessário que os mesmos, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a relação de trabalho. Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2003, Processo n.º 02S568, disponível em www.dgsi.pt . a mesma verifica-se “quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o traba- lhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida, sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral”. Ainda de acordo com o mesmo aresto, citando, aliás, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª Edição, pp. 540-541. “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexi- gibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…). Basicamente preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circuns- tâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”. Acresce ainda que, sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave, a mesma só deve ser aplicada nos casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adoção de uma sanção corretiva ou conservatória da relação laboral. E porque não basta um comportamento culposo, sendo também necessário que ele seja grave em si mesmo e nas suas consequências, gravidade que deverá ser apreciada em termos objetivos e concretos, no âmbito da organização e ambiente da empresa, e não com base naquilo que o empresário subjetivamente considere como tal, é que o n.º 3 do artigo 351.º do CT determina que: “Na apreciação da justa causa deve atender-se, no qua- dro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”. Para além desta ideia básica de justa causa, o artigo 351.º do CT consagra um elenco exemplificativo de justas causas típicas, no seu n.º 2, mas em que os diversos termos nele compreendidos devem, todavia, preen- cher os requisitos subjacentes à ideia básica de justa causa a que alude o seu n.º 1.

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