TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
597 acórdão n.º 544/14 ele estivesse escalada, com outro trabalhador, e a dispensa sistemática da autora do trabalho suplementar ao sábado, para assim dar satisfação ao seu direito de observar o período de culto da sua religião. Isso mesmo é defendido pela apelante quando invoca o disposto no artigo 570.º do Cod. Civil, para avalia- ção da responsabilidade disciplinar da autora, sustentando que a culpa da ré existiria, concorrendo com a dela, já que a ré sempre teve turnos que podia ter atribuído à autora que não a impediriam de cumprir o período de guarda religiosamente ditado, ou seja, os turnos das 07h às 15h, entre 2007 e 2009 e os turnos das 07h30 às 15h30min, a partir de 2009. Só que, nestas hipóteses, estaríamos perante um clara violação do princípio constitucional da igualdade: com efeito, a troca de turnos implicaria que fosse afetado um qualquer outro trabalhador, onerando-o com obrigatoriedade de prestar trabalho nesse período em que a autora seria dispensada. Como é sabido, existe uma especial penosidade no regime de trabalho por turnos, que mais se acentua quando o turno coincide com período noturno. Daí que, no regime de turnos rotativos do género do que observava a ré, a entidade empregadora proceda a uma alternância entre os seus trabalhadores, normalmente semanal, por forma a que, em cada semana, o trabalhador preste serviço num primeiro turno e na semana seguinte no outro turno. Atender a pretensão da autora implicaria que um qualquer outro trabalhador que na sexta-feira anterior tivesse prestado trabalho no último turno tivesse que o fazer novamente na sexta-feira seguinte. E conceder a dispensa do trabalho suplementar ao sábado à autora implicaria que a ré adotasse uma regra em contrário dos demais, que a ele estavam obrigados. Estaríamos claramente perante uma discriminação negativa, em que o trabalhador que professasse religião diferente ou não professasse religião alguma era inequivocamente penalizado por confronto com a situação da autora. E não é difícil descortinar, porque vulgares, situações em que o trabalhador, professando a religião cató- lica, presta trabalho suplementar ao domingo, que é dia de culto de tal religião, já para não falar dos feriados de caráter religioso. Também não tem razão a autora quando invoca (nada dizendo em termos de o fundamentar juridica- mente) que a ré ignorou um “direito adquirido”, já que, e segundo ela, durante onze dos dezoito anos de relação laboral com a ré, isto é, entre 1995 e 2007, a autora nunca trabalhou ao serviço da ré em horário de trabalho que entrasse em confronto com a observância do dia de guarda da sua religião, à qual se converteu em 1995, e, durante todo esse tempo, nunca foi levantada pela ré qualquer questão de ordem técnica ou disciplinar que estivesse relacionada com a observação do dia de guarda da religião por si professada. Esquece-se, todavia, a autora que só a partir de 20 de agosto de 2007 é que a ré instituiu, no setor de produ- ção, ao qual se encontrava adstrita a autora, um regime de trabalho por turnos rotativos. Assim, mesmo que a ré tivesse mostrado, antes dessa data, alguma tolerância em permitir que a autora saísse mais cedo, antes do pôr do sol de sexta-feira, tal nunca poderia constitui uma expectativa juridicamente tutelada, precisamente porque as condições de trabalho, no que respeito ao período de prestação do mesmo, se alteraram substancialmente. Finalmente, e no que respeita à alegação do conflito de interesses, dando a lei civil preferência aos valores pessoais sobre os patrimoniais, estribando-se a autora no disposto no artigo 335.º do Cód. Civil, limitamo-nos a remeter para o que já foi dito, a esse respeito, aquando da abordagem da inconstitucionalidade invocada. Chegados aqui, não podem restar dúvidas da existência de infração disciplinar por banda da autora. Entre os deveres impostos ao trabalhador, e elencados no artigo 128.º do CT, estão os de “Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade” [alínea b) do n.º 1], de “Realizar o trabalho com zelo e diligência” [alínea e) do n.º 1] e de “Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho (…) que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias” [alínea e) do n.º 1]. Por outro lado, estabelece o artigo 227.º, n.º 3, que “o trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite dispensa”. Como resultou provado, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2009, quando o turno às sextas-feiras se iniciava à tarde e tinha o seu termo à noite, a autora ausentava-se do trabalho,
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