TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
596 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E devendo compatibilizar-se esse regime de trabalho flexível com a possibilidade de compensação prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, facilmente se compreende que neste exemplo dado por aquele Ilustre Autor seja mais do que viável o trabalhador compensar o período de ausência para a prática do culto religioso. Também a sentença recorrida dá dois exemplos felizes de situações de flexibilidade de horário (os assistentes de bordo e os delegados de propagando médica). E refere que “Assim, o trabalhador prestará a sua atividade em regime de flexibilidade de horário quando, no interesse da entidade empregadora – radicado na organização do seu funcionamento, porque desse modo proporciona a obtenção da utilidade da força de trabalho à dispo- sição daquela – tenha sido estabelecido um esquema em que aquela prestação, contendo-se nos limites legais do período normal de trabalho, possa ter hora variável de entrada e saída, dependendo tal de determinadas circunstâncias ou condições ou sendo gerido pelo trabalhador, em qualquer caso tendo em vista uma melhor eficácia da sua prestação”. Concluindo, temos que o trabalhador, em ordem a ver observado o direito consagrado no artigo 14.º da LLR, e assim poder professar, com toda a sua amplitude, a sua confissão religiosa, terá que estar sujeito a um regime de flexibilidade de horário [alínea a) ], exigindo-se, cumulativamente, que proceda à “compensação inte- gral do respetivo período de trabalho” [alínea b) ] que deixou de prestar para poder comemorar as festividades ou observar o período de culto prescritos por aquela confissão. No caso que nos ocupa, ficou provado que, a partir de 20 de agosto de 2007, a ré organizou o funciona- mento do setor de produção onde a autora exercia funções em regime de turnos rotativos; até 31 de agosto de 2009, os turnos a que a autora se encontrava adstrita eram das 7h00 às 15h00 ou das 15h00 às 23h00; e, a partir de 1 de setembro de 2009, passaram a ser das 7h30 às 15h30 ou das 15h30 às 23h30. De acordo com a conceitualização que se considerou adequada do “regime de trabalho flexível”, temos por certo que não era esse o caso da prestação do trabalho da autora. Com efeito, não é por trabalhar em regime de turnos que se verifica essa flexibilidade. As horas de início e termo do período normal diário estavam perfeitamente determinados e eram fixos, apenas alternando em função da rotação do turno. E esse caráter fixo é precisamente o oposto de flexibilidade de horário. Por outro lado, não era de todo possível a “compensação”: estando o regime de trabalho organizado por turnos, utilizando-se o sábado – precisamente o dia em que a autora estava “impedida” pela sua opção reli- giosa – para trabalho suplementar e não laborando a ré ao domingo, não haveria qualquer hipótese de a autora trabalhar em outro qualquer período. E a compensação, como adverte o Sr. Juiz, não pressupõe apenas que o trabalhador se disponibilize ou a ela fique obrigado, mas também que seja possível à entidade empregadora receber essa compensação, sem prejuízo da sua normal organização de recursos. Não se verificam assim, esses requisitos das als. a) e c) , por forma a conferir à autora o direito, por virtude da sua confissão religiosa, de se ausentar do trabalho à sexta-feira, a partir do pôr do sol, e de se recusar a prestar trabalho suplementar ao sábado. A conclusão idêntica se chegaria mesmo que se considerasse – e não é o caso, reafirma-se – que o regime de trabalho por turnos cabia dentro daquele conceito de flexibilidade de horário. Segundo Júlio Gomes, ob. cit. , pago 299, que não reporta este seu entendimento ao regime legal da LLR, a solução ideal de compatibilizar os interesse em conflito, em situações como a que nos ocupa seria a seguinte: “(…) a boa-fé pode impor ao empregador que faça um esforço razoável para adaptar o funcio- namento da empresa às necessidades religiosas dos seus trabalhadores, atendendo ao caso concreto e evitando fazer ao empregador exigências excessivas. Queremos, com isto, destacar que numa pequena empresa, com um número reduzido de trabalhadores, pode revelar-se muito difícil – e não exigível – garantir ao um trabalhador judeu ou adventista que não trabalhe ao sábado, mas o mesmo poderá não ser verdade numa empresa com centenas de trabalhadores”. Ou seja, poder-se-ia equacionar, no caso concreto, a possibilidade de troca do segundo turno (que ter- minava às 23 horas e, a partir de setembro de 2009, às 23h30 horas) da sexta-feira, quando a autora para
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