TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

595 acórdão n.º 544/14 Salientando, e bem, que tal ausência, permitida por essa norma, consubstancia um suspensão do contrato de trabalho, e não qualquer situação de faltas justificadas, a sentença recorrida enuncia, mais uma vez acerta- damente, as condições cumulativas para o exercício pela autora do direito consagrado no artigo 14.º da LLR: a) Ser a A. membro de igreja ou comunidade religiosa inscrita; b) Que esta tenha feito a comunicação a que se refere a alínea b) , do n.º 1, indicando os dias de festivi- dade e períodos horários que sejam prescritos pela sua confissão, cuja observância colida com o horário definido para a prestação de trabalho; c) Que previamente apresente pedido junto da entidade empregadora para suspensão da prestação de trabalho, naqueles dias de festividade ou/e nos períodos horários que sejam prescritos pela sua confissão e cuja observância colida com o seu horário de trabalho; d) Que trabalhe em regime de flexibilidade de horário de trabalho; e) Que seja possível a compensação integral do respetivo período de trabalho e que a tal se disponha. Estando verificada essa primeira condição, e não tendo a ré levantado qualquer objeção quanto a uma eventual comunicação nos termos da alínea b) , que aliás, e como já dissemos, ficou provada na providência cautelar, temos que, pese embora não tivesse ficado provado que a autora o tenha invocado sempre, para as suas ausências, dúvidas não há, face ao conjunto do circunstancialismo provado e ao próprio fundamento dos processos disciplinares anteriormente movidos contra a autora, e que resultaram, na sua totalidade, em sanções disciplinares, que a ré tinha a perfeita noção de que as ausências da autora à sexta-feira e a recusa em prestar trabalho ao sábado estavam relacionadas com a observância, por parte da trabalhadora, como dia de guarda, do sábado, compreendendo-se o período desde o pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado. As dificuldades residem em saber o que quis o legislador da LLR dizer com a adoção do conceito de horário de trabalho flexível, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º de tal Lei. É que este diploma legal nada diz a esse respeito. Relembrando tudo quanto já se disse a propósito da alegada inconstitucionalidade daquela disposição legal, o que se pretendeu com esta foi harmonizar dois direitos potencialmente em conflito: o direito do trabalhador à liberdade religiosa e o direito do empregador à correta gestão dos meios humanos ao seu dispor. Sempre com a preocupação que o exercício do direito do trabalhador não acarrete, para um empregador, um prejuízo injustificado e desproporcionado. Procurando a melhor interpretação para esse “regime de flexibilidade”, em relação ao qual o CT de 2009 também nada define expressamente, o Sr. Juiz socorre-se do que neste Código se estabelece quanto à duração e organização do tempo de trabalho, constante dos artigos 197.º a 231.º, e conclui que o legislador “não tinha em mente um determinado esquema preciso de distribuição das horas do período normal de trabalho, antes querendo deixar um conceito aberto, de modo a abranger qualquer regime de trabalho que se distancie dos esquemas em que a característica seja a fixidez. Essa solução impôs-se como uma necessidade para possibilitar a condição a que se refere a alínea c) , ou seja, a compensação integral do respetivo período de trabalho durante o qual ocorra a suspensão, para exercício do direito de liberdade religiosa. Na verdade, não se descortina a possibilidade prática de assegurar a compensação por parte de alguém que trabalhe diariamente sujeito a um horário fixo”. Concordamos em absoluto com tal asserção, tanto mais que ela vai de encontro ao que Monteiro Fer- nandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, p. 336, define como “horário flexível”: “em que estão delimitados períodos de presença obrigatória do trabalhador, mas podendo este, com respeito por esses períodos, escolher, dentro de certas margens, as horas de entrada e saída do trabalho, e modo a cumprir o PNT (…) a que está obrigado (ex: o PNT é de 40 horas semanais; o período de presença obrigatória diária é das 10 h às 12h30m e das 15 h às 17h30m; o trabalhador pode, em cada dia, entrar ao serviço entre as 8 e as 10h, interromper para almoço entre as 12h30m e as 15h, e escolher a hora de saída entre as 17h30m e as 19h30m; mas terá de cumprir as 40 horas de trabalho por semana)”.

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