TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E não se deve perder de vista que o princípio constitucional da igualdade acarreta que se trate de forma igual o que é igual e de forma desigual aquilo que se apresenta como desigual: e que, por articulação com o artigo 41.º da CRP, se ninguém poder ser prejudicado em função exclusivamente da sua religião ou credo, também não poderá ser beneficiado por mor das mesmas convicções, nomeadamente em confronto com outros trabalhadores de outras religiões ou sem religião alguma. É certo que nem sempre será fácil encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito à liberdade religiosa e os interesses tutelados da entidade empregadora. Mas certamente que o critério não poderá residir, única e exclusivamente, na circunstância de o primeiro ser um direito de caráter pessoal, como defende a apelante.  E é nosso modesto entendimento o que o referido artigo 14.º da LLR não estabelece uma desproporção entre os interesses em potencial conflito. Como refere Paula Meira Lourenço, in Os Deveres de Informação no Contrato de Trabalho, REDS 2003, Ano XLIV, n. os 1 e 2, pp. 29 e segs. (citada, e relacionando esse ensinamento com o artigo 14.º da LLR, por Júlio Gomes, ob. cit. , pago 299, nota 803) “a atuação dos dois direitos fundamentais no direito privado não pode legitimar situações de incumprimento de obrigações, necessitando de se compaginar com a autonomia privada”. Tal disposição veio criar digamos uma solução de compromisso – que se não nos afigura desequilibrada – entre o direito do trabalhador em obedecer às suas convicções religiosas e em praticar o respetivo culto e o interesse empresarial do empregador, estabelecendo as 3 condições cumulativas para que se verifique a suspen- são do contrato de trabalho. E nem sequer alinhamos por algum “radicalismo” revelado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, quando, por decisão de 3 de dezembro de 1996 (também citada por Júlio Gomes, ob. cit. , pago 309), conside- rando que o despedimento não se devia às convicções religiosas do trabalhador, mas sim à inobservância dos horários, e que o trabalhador teria de cumprir as regras respeitantes aos horários e não tinha sido impedido de manifestar a sua religião, entendeu que o trabalhador, se considerasse incompatíveis as condições de trabalho com a sua religião, teria sempre a liberdade de se demitir, liberdade essa que era “a garantia fundamental do seu direito à liberdade de religião”. Salvo o devido respeito por tal decisão, essa “liberdade de demissão” está fortemente condicionada nos tempos que correm, atentos a crise económico-financeira de caráter mundial e o desemprego daí decorrente. Mas se é certo que, como refere Júlio Gomes, ob. cit. , pago 300, “a liberdade religiosa tem custos e que um crente tem consciência de que uma fé digna desse nome comporta sacrifícios”, também o é que haverá casos em que, dentro do respeito de boa-fé que deve nortear os contratos, incluindo, naturalmente, o contrato de trabalho, será possível harmonizar os interesses em conflito, designada, mas não exclusivamente, através de um acordo entre o trabalhador e o empregador, no sentido do estabelecer de um regime de trabalho a tempo parcial, que exclua o período destinado ao culto. E no que toca à alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR, cuja inconstitucionalidade específica residirá, segundo a apelante, em não ser clara quanto ao membro do governo competente para se enviar a declaração em causa e por ser excessiva ao exigir o envio de uma nova declaração que já foi enviada para o registo das pessoas coletivas religiosas, remetemos para o decidido no Acórdão de 8 de fevereiro de 2007 do Tribunal Cen- tral Administrativo Norte (citado pela sentença recorrida e disponível em www.dgsi.pt ). onde se afirma que o requisito formal contido em tal alínea introduz «(…) um fator de objetividade e de segurança fáctico-jurídica” (…) evitando que uma parte importante do direito à liberdade religiosa (direito ao culto e à comemoração pública das festividades religiosas da própria religião), uma matéria e área tão sensível, ficasse na disponibili- dade e à mercê da interpretação e entendimento subjetivo ou mesmo arbitrário da entidade empregadora ou da entidade diretiva do estabelecimento escolar, visando-se o evitar o apelo aos factos de “conhecimento público” e, assim, introduzir mais rigor e objetividade nesta sede. (…) Esta limitação ou restrição ao direito ter-se-ia, assim, como adequada, necessária e proporcional face aos outros interesses conflituantes em termos, desde logo, do reconhecimento e do respeito dos direitos e liberdades dos outros no confronto com aqueles, e, bem assim, do satisfazer de justas exigências e interesses em matéria de segurança e de disciplina pública em termos

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