TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
591 acórdão n.º 544/14 “O direito de suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam (…) deve compatibilizar- -se com os direitos da entidade empregadora e com o princípio da igualdade. Seguiu-se o modelo de alguns acordos italianos [artigo 17.º da Lei n.º 516, de 22 de novembro de 1988 (adventistas), artigo 4.º da Lei n.º 102, de março de 1989 (comunidades hebraicas)], aplicável em regime de flexibilidade de horário. É certo que o Estado francês concede aos seus funcionários e agentes autorização de ausência por ocasião das festas próprias das confissões ou comunidades arménia, israelita ou muçulmana a que pertençam, em três dias por ano em cada caso (circular de 9 de janeiro de 1991). Mas esta solução não resolve os problemas de igualdade referidos”. Ou seja, foi nítido propósito do legislador encontrar aquele necessário equilíbrio entre o direito de liber- dade religiosa e os legítimos direitos da entidade empregadora, não esquecendo, como não poderia deixar de ser, o princípio constitucional da igualdade. Citando aqui a sentença (refira-se, por ser de elementar justiça, que a mesma se encontra doutamente ela- borada) “como decorre desta exposição de motivos, ao procurar salvaguardar e assegurar o direito de liberdade de consciência, de religião e de culto, a que se refere o artigo 1.º, articulando-o com o princípio da igualdade, este consagrado no artigo 2, o legislador procurou nesta matéria alcançar uma solução equilibrada, no sentido de conseguir compatibilizar os direitos potencialmente em conflito, ou seja, de um lado, os do trabalhador que professa determinada religião e pretende observar o “descanso semanal”, os “dias das festividades” e os “períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam”; e, de outro lado, os da entidade empregadora, desde logo, ao livre exercício da iniciativa económica privada “nos quadros definidos pela Cons- tituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” [n.º 1 do artigo 61.º CRP], bem como de “Liberdade de (..) organização empresarial” [artigo 80.º alínea d) , da CRP], a que acrescem, como expressão daqueles, os poderes que a lei ordinária lhe confere, nessa qualidade de empregador, de “estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” [artigo 97.º do CT], e, para além de outros, os de “determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei” [n.º 1 do artigo 212.º do CT]”. Como corolário do seu poder de direção, ínsito à celebração do contrato de trabalho, cabe à entidade empregadora, dentro dos limites legais e da regulamentação coletiva em vigor, estabelecer o horário de traba- lho, como um dos instrumentos ao seu alcance com vista a uma correta organização técnico-produtiva. Obje- tivo este que só numa análise muito simplista pode ser encarado como sendo do interesse exclusivo da entidade empregadora: é que uma correta gestão terá como uma das facetas decisivas a manutenção do emprego dos seus trabalhadores e a otimização das suas condições de trabalho. O próprio estabelecimento de um horário de trabalho acarreta inegáveis vantagens do ponto de vista do trabalhador: para além de tal determinação ser uma exigência da proteção da vida e da integridade física e psíquica do trabalhador, definindo os espaços de repouso e lazer necessários à salvaguarda da sua integração familiar e social, permite-lhe, conhecendo-o antecipadamente, orientar a sua própria vida pessoal e familiar de harmonia com o mesmo. E chegados aqui a resposta à questão que nos ocupa terá de ser necessariamente negativa: não se verifica a inconstitucionalidade invocada – o direito à liberdade religiosa não é um direito absoluto, estando sujeito, com já vimos, “às restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (n.º 1 do artigo 6.º da CRP). E um dos interesses constitucionalmente protegidos é a “liberdade de (…) organização empresarial”(artigo 80.º, alínea d) , da CRP], interesse esse que não se limita, como aflorámos, ao ponto de vista do empregador – o sucesso da empresa acarretará, em condições normais, a manutenção dos contratos de trabalho dos seus traba- lhadores e das condições de laboração destes e contribuirá, certamente, para o desenvolvimento da economia de um país. Por isso se entende que na base desta consagração constitucional não esteve, exclusivamente, a preocupação da salvaguarda dos interesses económicos do empregador.
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