TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
590 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Entre esses princípios encontra-se, como não poderia deixar de ser, o da liberdade de religião e de culto, o qual compreende, além do mais, o direito de adesão à igreja ou comunidade religiosa que se escolher e o direito de participar na vida interna e nos ritos religiosos. Daí o artigo 10.º da LLR dispor o seguinte: “A liberdade de religião e de culto compreende o direito de, de acordo com os respetivos ministros do culto e segundo as normas da igreja ou comunidade religiosa escolhida: a) Aderir à igreja ou comunidade religiosa que escolher, participar na vida interna e nos ritos religiosos praticados em comum e receber a assistência religiosa que pedir; b) Celebrar casamento e ser sepultado com os ritos da própria religião; c) Comemorar publicamente as festividades religiosas da própria religião”. Mas ainda que a Constituição o não refira expressamente, parece-nos manifesto e indiscutível, tal como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 19 de fevereiro de 2008, in www.dgsi.pt . que a liberdade religiosa e de culto terá necessariamente de ter limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigentes numa comunidade civilizacional e pelos valores fundamentais nela consagrados e defendidos, como sejam – na comu- nidade em que nos inserimos – a liberdade, os direitos alheios, a ordem pública e a realização da justiça. Valores e objetivos estes que não podem ser violados ou impedidos por motivos de cariz religioso. Na verdade, os fun- damentos ético-jurídicos de cariz humanista e racional em que a nossa comunidade de cidadãos se alicerça não podem ser postergados por princípios e práticas religioso/as, como sejam, v. g., a admissão de certas mutilações físicas ou da poligamia – cfr. António Leite, “A Religião no Direito Constitucional Português” in Estudos sobre a Constituição, 1978, 2.º, p. 265 e segs. Nesta vertente ao Estado já assiste o poder/dever de, através da fun- ção jurisdicional, garantir proteção jurídica a todo aquele que vir os seus direitos ou interesses juridicamente relevantes questionados ou violados por opções, atitudes ou cultos religiosos iníquos e intoleráveis, de forma a preveni-los ou repará-los, constituindo este um direito fundamental com assento constitucional – artigo 20.º, n.º 1, da CRP. Ou seja, não estamos, contrariamente ao que acontece com o direito à vida, perante um direito absoluto, podendo e devendo, se for o caso e dentro dos limites constitucionais, ser objeto de restrições. É o que decorre não só do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, mas também do artigo 6.º da LLR, onde expres- samente se salvaguardou que a liberdade de religião e de culto “(…) admite as restrições necessárias para salva- guardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – n.º 1 desse artigo 6.º No particular campo das relações laborais, e com vista a encontrar o necessário equilíbrio e proporcionali- dade entre esse direito de liberdade religiosa e outros com consagração constitucional, veio reger o artigo 14.º da LRR, nos seguintes termos e que para aqui relevam: “1 – Os funcionários e agentes do estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de des- canso semanal, nos dias de festividade e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições: a) Trabalharem em regime de flexibilidade de horário; b) Serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao membro do Governo competente em razão da matéria a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso; c) Haver compensação integral do respetivo período de trabalho” (…). Por forma a justificar a inclusão desta norma, escreveu-se, a propósito desta disposição, no Projeto de Lei n.º 27/VII (disponível em http://www.parlamento.pt ), que veio a dar lugar à LRR, o seguinte:
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