TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

573 acórdão n.º 535/14 meios, isto é, o processo, assim como é ilógico atribuir o poder para criar competência sem atribuir o poder para criar o meio processual que torna possível o exercício da competência. Seria impor deveres que não podem ser cumpridos e conferir poderes que não podem ser realizados. Seria, em suma, vontade legislativa que não pretende eficácia”. As leis orgânicas, introduzidas pela revisão constitucional de 1989, são leis a que a Constituição atribui um valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3) que, por incidirem sobre matérias particularmente sensíveis, estão sujeitas a um procedimento qualificado e a um regime alargado de fiscalização preventiva. Assim, a sua aprovação exige, na votação final global, uma maioria absoluta dos Deputados em efe- tividade de funções (artigo 168.º, n.º 5, da Constituição), a sua fiscalização preventiva pode também ser requerida pelo Primeiro-Ministro ou por um 1/5 dos Deputados da Assembleia da República em efetividade de funções (artigo 278.º, n.º 4, da Constituição) e o veto político do Presidente da República só é superável por uma maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (artigo 136.º, n.º 3, da Constituição). Além disso, as leis orgânicas que versem o tema da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, incluindo, portanto, as que definem as competências deste órgão, devem ainda ser obriga- toriamente votadas na especialidade pelo Plenário (artigo 168.º, n.º 4, da Constituição). Pode, pois, dizer-se que elas são não apenas reserva de parlamento, mas, mais do que isso reserva de plenário (Gomes Canotilho, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição , p. 752, 7.ª edição, Almedina). Esta reserva de órgão e também de ato, assume a configuração de uma reserva total, na medida em que a respetiva legislação deve ser esgotante do tema em questão, não deixando um qualquer espaço de confor- mação a outros intervenientes ou a outro tipo de atos legislativos. Como escreve Blanco de Morais: «No que respeita às leis orgânicas, a expressão absorve toda a complexidade inerente ao regime jurídico de uma disciplina normativa, simultaneamente envolvida por uma reserva de órgão, e por outra de ato. Assim, a primeira muralha da reserva “cerrada” ou “clausurada” da lei orgânica é representada, num plano exterior à sua natureza reforçada tomada em sentido próprio, pela reserva absoluta de competência da Assembleia da República, a qual se perfila como um “defeso” contra adversários normativos externos e que, como tal, passa a ser primariamente chamada à colação quando se registem colisões normativas interorgânicas. (…) A segunda e mais relevante muralha defensiva da reserva orgânica, como vedação cerrada é composta pela reserva procedimental de ato, a qual, contrariamente à anterior foi concebida precisamente no plano intrínseco do estatuto reforçado da norma, para enfrentar um potencial “adversário normativo interno”, composto pelas restantes leis editadas pela Assembleia da República” (In As Leis Reforçadas , pp. 701-702, ed. de 1998, Coimbra Editora). Pretendeu-se com estas exigências procedimentais, na matéria aqui em questão, alcançar um consenso alargado na definição das matérias relativas à organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitu- cional, atento o papel decisivo que elas desempenham na eficácia das normas constitucionais. 2.3. Se é inegável que a Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, não assumiu a forma de lei orgânica, estando também desde logo ausente o cumprimento do requisito imposto pelo artigo 168.º, n.º 4, da Cons- tituição, resta saber se a norma sub iudicio , dada a sua natureza e a matéria versada, exigia a sua emissão sob tal formalismo e respeito pelo respetivo procedimento. O n.º 8 do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, aditado pelo artigo 1.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, determinou que é da competência exclusiva do Tribunal Constitucional a fiscalização das subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um par- tido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia

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