TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
564 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, independentemente da posição que se perfilhe quanto ao sentido da introdução do artigo 50.º, n.º 3, da Constituição, certo é que – talqualmente respaldado em várias declarações de voto vertidas no acór- dão (cfr., concretamente, as declarações de voto dos Conselheiros Bravo Serra e Cardoso da Costa) – avulta como razoável um entendimento alternativo, assente numa leitura não tão severa da “vinculação teleológica” imposta por aquele normativo. De facto, não repugna admitir que, paralelamente a objetivos mais imediatos – mormente os ligados à “moralização” da vida política e à “transparência” da situação financeira dos titulares de cargos públicos – a obrigação de entrega da declaração de rendimentos – e a correspondente sanção – possam genericamente erigir-se em veículos de uma maior isenção e independência no exercício de tais cargos. Desta perspetiva, a medida restritiva afigura-se, não só idónea, mas também não desnecessária à conse- cução do programa axiológico preceituado pela norma constitucional, efetuando uma ponderação não des- proporcionada entre os bens e interesses em jogo. Atente-se, sobretudo, na medida de realização do interesse público que através do dever de declaração se alcança, mormente ao nível da transparência e da independên- cia daqueles que exercem cargos públicos, isto é, cargos de “confiança política” (i) ; no nível de lesão impli- cado pela inibição, a qual se traduz, bem vistas as coisas, numa suspensão temporária do exercício do direito de sufrágio passivo, cujo quantum caberá a um tribunal imparcial apurar, atento o circunstancialismo do caso concreto (ii) ; nos limites abstratos da inibição, que pode variar entre um e cinco anos, sendo certo que, tratando-se de cargos públicos eletivos e de renovação periódica, apenas o limite máximo permitirá, nos casos mais graves, conferir operatividade à medida inibitória na consecução dos interesses públicos almejados (iii) . Este juízo é suscetível de transposição para o segmento em que inibição se traduz numa incapacidade para o exercício de cargos públicos não eletivos. Isto porque aqui, não valendo a “vinculação teleológica” con- tida no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição, que se reporta exclusivamente a cargos eletivos, estará em causa uma restrição não expressamente autorizada ao direito de acesso a cargos públicos, cuja constitucionalidade depende igualmente da verificação da respetiva proporcionalidade (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 404/12, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . 6.3. Ora, demonstrado que está que a medida de inibição para o exercício de cargos públicos não assume natureza penal, não resulta problemático que a competência para a sua determinação e aplicação seja atri- buída aos tribunais da jurisdição administrativa. A leitura que a jurisprudência constitucional vem há muito fazendo do n.º 3 do artigo 212.º da Consti- tuição, aponta no sentido de que a reserva de jurisdição nele fixada apenas exige que seja respeitado o “núcleo essencial dos litígios jurídico-administrativos”, sob pena de esvaziamento da tutela jurisdicional efetiva de natureza administrativa (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 211/07, 218/07, 145/09 e 19/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Como se lê no primeiro dos arestos mencionados (os itálicos são nossos): «(…) O preceito constitucional não impôs que todos esses litígios fossem conhecidos pela jurisdição administrativa (com total exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição comum), n em impôs que esta jurisdi- ção apenas pudesse conhecer destes litígios (com absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo constitucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e insuscetíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das jurisdições. (…)» Destarte, independentemente de saber se está em causa um litígio emergente de relações jurídicas admi- nistrativas (vide Jorge Miranda/Rui Medeiros, op. cit. , tomo II, p. 148), certo é que as normas constantes da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, são normas de direito público, porquanto, com o propósito de preservar interesses
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