TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
563 acórdão n.º 483/14 «(…) No acesso a cargos eletivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos. (…)» Antes deste acrescento ao artigo 50.º, a jurisprudência constitucional já admitia o estabelecimento, por via legislativa, de inelegibilidades. Considerava-se, na verdade, que o artigo 153.º da Constituição (atual- mente, o artigo 150.º), apesar de enxertado no título relativo à Assembleia da República, continha um princípio geral de direito eleitoral português, que deveria servir de arrimo à previsão legislativa de inelegibi- lidades nas restantes eleições (cfr. os Acórdãos n. os 225/85, 244/85, 4/84, 8/84, 12/84, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Esta leitura ressentiu-se, naturalmente, do impacto provocado pela revisão constitucional de 1989, visto que a partir daí a possibilidade de o legislador estabelecer inelegibilidades passou a estar sujeita a uma “vinculação teleológica” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 677), concretizada na necessidade de, através delas, se assegurarem dois interesses constitucionalmente determinados: a liberdade de escolha dos eleitores (i) e a isenção e independência no exercício de cargos eletivos (ii) . O mesmo é dizer que os “outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (vide artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) suscetíveis de justificar uma restrição ao direito de sufrágio passivo passaram a ser, em termos exclusivos, os elencados no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição. Trata-se de um entendimento já por diversas vezes sufragado pela jurisprudência constitucional, a qual, no Acórdão n.º 364/91 (cfr., ainda, os Acórdãos n. os 532/89, 59/95 e 480/13, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , o concretizou do seguinte jeito (o itálico é nosso): «(…) Seja como for, o legislador constituinte optou pela defesa de determinados valores – no caso, além do mais, a isenção e independência no exercício dos respetivos cargos – e essa intenção axiológica-normativa condiciona estri- tamente a liberdade de conformação do legislador ordinário e só é concebível à luz dos princípios constitucionais que integram o sistema de direitos fundamentais. (…)» De forma igualmente impressiva, apurou-se, no Acórdão n.º 59/95 (já mencionado), aquando da apre- ciação da conformidade constitucional de norma (praticamente) idêntica à do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, que (o itálico é nosso): «(…) Segundo o preceito [o artigo 50.º, n.º 3, da CRP] a isenção e a independência são relativas ao exercício do cargo. Trata-se do específico cargo e, portanto, terão de verificar-se especificamente específicos interesses e relações do cidadão que não garantem a isenção e imparcialidade na gestão e representação dos interesses do cargo eletivo (…). O artigo 50.º, n.º 3 não autoriza, portanto, uma inelegibilidade para todos os cargos eletivos previstos na Constituição. Qualquer outra causa de inelegibilidade terá em face do artigo 50.º, n.º 3, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, que estar expressamente prevista na Constituição. (…)» Noutros termos, o juízo do Tribunal, no aresto citado, foi no sentido de que uma inelegibilidade gené- rica enquanto sanção para a não apresentação da declaração de rendimentos não descobria suficiente arrimo na “intenção axiológico-normativa” que serve de filtro às restrições ao direito de sufrágio passivo.
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