TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

562 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de inibição para o exercício de cargo público; (b) o problema da validade constitucional de tal medida, enquanto restrição ao âmbito de proteção de um direito, liberdade e garantia; (c) e o problema da atribuição de competência aos tribunais administrativos, à luz do critério material inscrito no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição. 6.1. Ao primeiro problema identificado já deu a jurisprudência constitucional resposta no Acórdão n.º 59/95. Enfrentou aí o Tribunal a questão de saber se o incumprimento culposo do dever de apresentação da declaração de rendimentos deveria ser considerado uma infração criminal e se as sanções daí advenientes seriam, também elas, sanções penais. Dessa apreciação, extrai-se que, segundo o Tribunal, a especificidade do direito penal relativamente aos demais ramos do direito sancionatório – mormente, o direito disciplinar e o direito de mera ordenação social – não assenta na “natureza das respetivas infrações” nem nos “fins das sanções correspondentes”. De facto, a mesma privação ou limitação de direitos pode ser o efeito quer de sanções penais, quer de sanções disciplinares, pelo que aquilo se afigura verdadeiramente idiossincrático do direito penal é “configuração única” que nele assumem três princípios fundamentais: os princípios da legalidade, da jurisdicionalidade e da necessidade. 6.2. O artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, prevê, portanto, para aqueles que não entreguem as declarações de rendimentos a que estão obrigados, a aplicação de uma inibição, por um período máximo de cinco anos, para o exercício de cargo público que obrigue à referida declaração, e que não corresponda ao exercício de funções como magistrado de carreira. Na parte em que tal inibição incida sobre cargos públicos eletivos, há lugar – pois – a uma inelegibilidade; já na parte em que tal inibição se reporte a cargos públi- cos não eletivos, fala-se preferencialmente em incapacidade (cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 997 e segs.). Neste sentido, o juízo sobre a constitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1, terá de levar em consideração o facto de a inibição, uma vez determinada, abranger ambos os tipos de cargos. Ora, o direito de acesso a cargos públicos, sejam eles eletivos ou não eletivos, encontra consagração expressa no artigo 50.º da Constituição, enquanto concretização do direito de participação política dos cida- dãos (status activae civitatis). Visto que a regra é do acesso em condições de igualdade e liberdade aos cargos públicos, a medida de inibição constitui uma privação temporária do exercício dos mesmos, que se traduz, em termos jurídico-constitucionais, numa restrição a um direito, liberdade e garantia de cariz político. Mais, estando em causa um cargo eletivo, o alcance restritivo da inibição aumenta, atingindo não só os direitos de acesso a cargo público e de participação na vida pública (cfr. artigo 48.º, n.º 1, da Constituição), mas tam- bém o direito de sufrágio passivo, consagrado no artigo 49.º da Constituição. Estas são duas proposições sobejamente conhecidas da jurisprudência constitucional, que, em variados arestos, reconheceu o direito de sufrágio passivo – e de forma mais genérica, o direito de acesso a cargos públicos – como um “direito subjetivo público fundamental”, que, em princípio, “assiste a todo o cidadão com mais de 18 anos”, e que está indissociavelmente ligado ao princípio democrático e à ideia de cidadania (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 59/95, 602/89 e 480/13, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Destarte, tem suficiente respaldo jurisprudencial a asserção de que as inelegibilidades constituem restrições ao direito de sufrágio passivo, sujeitas, portanto aos “limites dos limites” vertidos nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição, nomeadamente, ao princípio da proibição do excesso (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  364/91, 25/92, 382/01, 515/01, 448/05, 443/09 e 462/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Sucede que esta conclusão, aparentemente comum, assume, no domínio das inelegibilidades, um recorte mais específico, por força do disposto no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição, introduzido aquando da revi- são constitucional de 1989. Dispõe um tal preceito o seguinte:

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