TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

554 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL reapreciação pelo juiz de julgamento (já se viu que esta decisão produz caso julgado formal) ou recurso para tribunal superior (proibido pela lei). O arguido não teria possibilidade de fazer valer as garantias decorrentes do princípio do juiz natural pois o acesso à apreciação da competência do juiz de instrução por parte de outro tribunal que não o que se encontra já a julgar o caso estaria vedado. A tutela constitucional do direito de defesa contra a definitiva afetação de direitos por juiz que não cumpra os requisitos decorrentes do princípio do juiz natural implica a garantia efetiva do recurso, no caso de tal ser possível (por existir instância adequada e superior). Sendo assim, negar em absoluto o direito a uma reapreciação da questão da incompetência material do Tribunal de Instrução Criminal significaria admitir a ausência de defesa, e com ela, ausência também de tutela efetiva do direito ao juiz legalmente predeterminado para realizar a instrução, em negação do núcleo essencial do princípio do juiz natural, constitucionalmente garantido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Na verdade, não se mostra compatível com esta garantia a reunião, num mesmo juiz, do poder de proferir a primeira e última palavra na definição da sua própria competência (ou mais precisamente ainda, do tribunal onde exerce funções). Ora, «a exigência constitucional de que o julgamento se faça “no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), traz implícita a ideia de que a celeridade do processo penal, sendo um princípio de ordenação eficaz dos meios de realização do poder punitivo do Estado, encontra o seu limite referencial de adequação no sujeito (arguido) que por ele é visado. O que significa que as soluções que nela encontram justificação apenas são constitucionalmente aceitáveis se, e na medida em que, não afetem relevantemente os direitos do arguido, impedindo ou condicionando de forma desnecessária ou despropor- cional o exercício do direito que lhe assiste em nuclearmente se defender da imputação de que praticou um crime» (Acórdão n.º 7/14). Devendo o ponto de equilíbrio na conciliação dos diversos interesses conflituantes ser encontrado em aplicação dos princípios a que se encontra constitucionalmente vinculada qualquer restrição de direitos fun- damentais (artigo 18.º da CRP), nomeadamente, quanto ao princípio da proporcionalidade, pela pondera- ção da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da solução que é oferecida, afigura-se excessiva a irrestrita inadmissibilidade do recurso na matéria, o que torna a norma em apreciação suscetível de censura constitucional. A imparcialidade e objetividade exigidas na definição da competência material de um tribunal, numa decisão que surge como determinante para a confiança dos visados, não dispensam a garantia da possibilidade de reponderação por órgão distinto e superior. A solução de afastamento da possibilidade de recurso, neste caso, surge tanto mais desproporcionada quanto é inegável que, mesmo no contexto de um processo em que confluem outros valores constitucio- nais como sejam os bens jurídicos violados pelo crime que se pretende reprimir, a celeridade do processo (preocupação que radica num interesse que a Constituição também protege, designadamente no seu artigo 20.º, n.º 4) também pode ser acautelada com a atribuição de efeito diferido ao recurso, determinando a sua subida apenas com o recurso que eventualmente vier a ser interposto da decisão que tiver posto termo à causa (videartigo 407.º, n.º 3, do CPP). E sendo assim, inevitável será concluir que a irrecorribilidade da decisão que conhece da arguição de incompetência material (e da nulidade processual dela decorrente) compromete os valores tutelados pelo princípio do juiz natural, e nessa medida, fere o núcleo essencial do direito de defesa do arguido. 34. Deste modo, conclui se pela inconstitucionalidade por violação dos n. os 1 do artigo 32.º da Consti- tuição (em conjugação com o seu n.º 9), da norma do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, no sentido de ser irrecor- rível a decisão do juiz de instrução, subsequente à decisão instrutória, que aprecie a [arguição de] nulidade insanável decorrente da violação das regras de competência material do Tribunal de Instrução Criminal.

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