TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de mecanismos que garantam o seu célere e eficaz desenvolvimento, comprime intoleravelmente os direitos de defesa do arguido? Na análise a empreender para responder àquela pergunta não é possível abstrair do objeto da decisão em causa. E esta – recorde-se –, consiste na apreciação da nulidade processual insanável decorrente da violação das regras de competência (material) do tribunal [artigo 119.º, alínea e) , do CPP], tornando inválido o ato em que se verificou a existência dessa competência, bem como os que dele dependerem (artigo 122.º do CPP). O que releva é, com efeito, a matéria sobre que recai a decisão (singular) irrecorrível, «pois é em função dela que se afere da suscetibilidade de afetação dos direitos do arguido e, atenta a sua maior ou menor virtua- lidade ofensiva, da exigência constitucional de que sobre ela recaia o direito de recurso» (Acórdão n.º 7/14). Note-se, neste âmbito, que a incompetência do tribunal configura, em regra, uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso e a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final [artigo 119.º, alínea e) , do CPP]. Não se ignora que existe uma exceção a esta regra: a incompetência em razão do território (territo- rial) configura uma nulidade sanável – deve-se considerar sanada se não for declarada pelo juiz de instrução até ao início do debate instrutório ou pelo tribunal de julgamento até ao início da audiência de julgamento (artigo 32.º, n.º 2, do CPP). Na verdade, e diferentemente da competência material e funcional, a compe- tência territorial não releva da própria natureza do poder jurisdicional, mas apenas de critérios de delimita- ção geográfica do exercício da jurisdição material e funcionalmente fixada. Nesta medida, praticado um ato para o qual o juiz é dotado de poder jurisdicional material e funcional, considera-se que perde relevância no processo declarar a incompetência em razão do território. É à luz deste regime que o juiz de instrução não pode declarar a incompetência territorial após a realização do debate instrutório. Diferente solução demanda, porém, a decisão que recai sobre a arguição de uma incompetência em razão da matéria, que o legislador ordinário definiu como produzindo uma nulidade insanável. 31. Neste ponto cumpre começar por recordar que a matéria atinente à organização e competência dos tribunais entronca no princípio do juiz natural (ou juiz legal), previsto no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição, de onde decorre que a parcela de jurisdição atribuída a cada tribunal seja objeto de prévia e clara determi- nação legal. Consagrado também em grande número de Constituições europeias, este princípio encontra expressão também em instrumentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (em cujo artigo 10.º se pode ler: «Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ele seja deduzida») ou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cujo artigo 6.º, n.º 1, dispõe: «Qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei»). No Acórdão n.º 614/03 faz-se exaustiva análise da doutrina e jurisprudência constitucional (incluindo, de direito comparado) referente a este princípio. Referindo-se: «(…) “o princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabili- dade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da orga- nização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta

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