TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

551 acórdão n.º 482/14 apreciação do mérito da causa de que possa desde logo conhecer” – artigo 311.º, n.º 1). Trata-se, assim, de uma apreciação que se projeta no futuro dos autos, não no seu passado. Respeitando a mesma lógica, o artigo 338.º, n.º 1, do CPP dispõe que, no início do julgamento, o tribunal conhece e decide «das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar» (destacado nosso). 29. Nos termos do artigo 203.º da Constituição, os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Sendo independentes em relação aos demais poderes do Estado, os tribunais são ainda independentes entre si, salvo as relações de hierarquia ou supraordenação dentro de cada categoria de tribunais (artigos 210.º, 212.º e 221.º da CRP). Será, então, aceitável, à luz da «interordenação constitucional dos tribunais e da sua competência» (vide Acórdão n.º 524/97; vide também o Acórdão n.º 1166/96) que se atribua a um tribunal com o mesmo grau hierárquico (ao juiz de julgamento face ao juiz de instrução) a competência para rever ou reapreciar (mantendo ou alterando) a decisão proferida por outro tribunal da mesma instância que negou a arguição da respetiva incompetência material? É de entender que não. O conceito jurídico-constitucional, de direito ao recurso, garantido no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, implica que a reapreciação desta questão, a existir, caiba necessariamente a um tribunal hierarquicamente superior – por «órgão diferente (superior hierarquicamente) daquele que proferiu a decisão impugnada sempre que ele exista» (vide, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 686/04; vide também, entre outros, o Acórdão n.º 415/01). De acordo ainda com o Acórdão n.º 686/04, trata se tam- bém «de uma expressa garantia de reponderação por órgão distinto e superior no sentido de assegurar plena imparcialidade e objetividade na decisão de uma questão que afete os direitos fundamentais». Sendo assim, aceitando-se que a decisão do juiz de instrução relativa à arguição de nulidade decorrente da invocação da incompetência material do tribunal produz caso julgado formal, o pressuposto, em que assentou a decisão recorrida, da revisibilidade pelo juiz de julgamento dessa decisão, não se verifica. O poder de conhecimento do juiz de julgamento encontra-se limitado pela resistência decorrente da autoridade de caso julgado (formal) resultante da prolação da decisão proferida pelo juiz de instrução anteriormente nos autos. Afastada a revisibilidade pelo juiz de julgamento da decisão proferida pelo juiz de instrução que conhece da arguição da incompetência material do tribunal para proceder à instrução dos autos, será, então, aceitável que essa decisão não seja sindicável por nenhuma outra instância, designadamente de grau superior? 30. A norma em presença, recusando a recorribilidade da decisão que conhece da nulidade insanável decorrente da incompetência material do tribunal, promove o valor constitucional da celeridade do processo penal tutelado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. Como ainda recentemente se salientou no Acórdão n.º 7/14: «A exigência constitucional de que o julgamento se faça “no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), traz implícita a ideia de que a celeridade do processo penal, sendo um prin- cípio de ordenação eficaz dos meios de realização do poder punitivo do Estado, encontra o seu limite referencial de adequação no sujeito (arguido) que por ele é visado. O que significa que as soluções que nela encontram justi- ficação apenas são constitucionalmente aceitáveis se e na medida em que não afetem relevantemente os direitos do arguido, impedindo ou condicionando de forma desnecessária ou desproporcional o exercício do direito que lhe assiste em nuclearmente se defender da imputação de que praticou um crime». A questão que se impõe, então, analisar consiste em determinar se a irrecorribilidade da decisão que nega a verificação de incompetência material do tribunal de instrução criminal (e consequentemente, a even- tual nulidade dela decorrente), encontrando embora justificação na necessidade de dotar o processo penal

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