TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL recorrido atribuiu um valor meramente provisório à decisão proferida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal que não reconheceu a incompetência material arguida, negando, assim, a verificação da nulidade insanável suscitada. Analisada de um outro ângulo, a atribuição ao juiz de julgamento do poder de (re)apreciar a nulidade invocada perante o juiz de instrução, e por este não declarada, decorrente da sua incompetência material para realizar a instrução, pressupõe o reconhecimento da competência do juiz de julgamento para rever também estas decisões jurisdicionais tomadas pelo juiz de instrução. Em qualquer das vertentes argumentativas observadas vem pressuposta a ausência de formação de caso julgado formal quanto à invocação da violação de regras atributivas da competência material. Ora, esta perspetiva merece uma análise mais aprofundada, quer na vertente da natureza provisória atribuída à decisão do juiz de instrução que conhece da arguição de nulidade insanável decorrente de incom- petência material do tribunal para realizar a instrução, quer na vertente da competência atribuída ao juiz de julgamento para rever a decisão por aquele proferida sobre a matéria. É o que faremos de seguida. 27. Apesar de a Constituição não o garantir explicitamente, o princípio da intangibilidade do caso julgado é dedutível do princípio do Estado de direito democrático contemplado no seu artigo 2.º, decor- rendo ainda do seu artigo 282.º, n.º 3, pois «se a Constituição manda respeitar os casos julgados mesmo quando eles assentam em normas inconstitucionais, por maioria de razão se imporá tal respeito quando se não verifique essa situação» (vide J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, vol. II, pp. 530-531). Todavia, salienta-se ainda na mesma obra, «não sendo mais do que um princípio constitucional implícito, pode ele ter de ceder quando estejam em causa outros valores constitucionais mais importantes e, desde que, naturalmente, se respeitem as garantias constitucionais dos tribunais (…)» ( loc. cit. ). Como reconhecido também pelo Tribunal Constitucional, «É sabido que o caso julgado serve, funda- mentalmente, o valor da segurança jurídica (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3.ª edição, reimp., Coimbra, 1996, p. 494); e que, fundando-se a proteção da segurança jurídica relativa- mente a atos jurisdicionais, em último caso, no princípio do Estado de direito (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Coimbra, 1998, p. 257), se trata, sem qualquer dúvida, de um valor constitucionalmente protegido. Torna-se, todavia, indispensável demonstrar que o valor constitucional do caso julgado deva prevalecer nestas hipóteses (…)» (vide Acórdão n.º 677/98 e Acórdão n.º 164/08). A questão que cumpre, assim, resolver é a de saber se, à luz dos princípios do Estado de direito demo- crático e da segurança jurídica, deve considerar-se que forma caso julgado no processo (caso julgado formal) a decisão do juiz de instrução que aprecie a arguição da incompetência material do tribunal de instrução para realizar aquela instrução e a nulidade dela decorrente. 28. Começa por se analisar a questão da formação de caso julgado pela decisão instrutória. De facto, no caso de se considerar a formação de caso julgado pela decisão de pronúncia do juiz de instrução, não poderá deixar de se aceitar que as decisões de conteúdo autónomo proferidas pelo mesmo juiz têm a potencialidade de formação do mesmo caso julgado, não sendo reapreciáveis pelo juiz de julgamento. Ora, a questão da formação de caso julgado pela decisão instrutória de pronúncia não é pacífica, na jurisprudência do Tribunal Constitucional. A questão tem sido debatida a propósito da própria admissão do recurso de constitucionalidade, em face, designadamente, da provisoriedade da decisão instrutória. Por um lado, no Acórdão n.º 95/09, pode ler-se: «(…) o artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal aponta, de facto, no sentido de a decisão instrutó- ria que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público não constituir decisão final, também na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais. Neste preceito sobre o saneamento do processo na fase de julgamento permite-se, sem qualquer limitação, que o presidente do tribunal

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