TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
547 acórdão n.º 482/14 jurisprudência do Tribunal – e que acima já deixámos expostos – na apreciação da norma que não admite o recurso da decisão instrutória (ou da decisão que conhece a arguição da nulidade daquela decisão). Apesar desta diferença, na posição do tribunal a quo o pressuposto da revisibilidade pelo juiz de julga- mento da decisão proferida pelo juiz de instrução, que esteve na base da decisão recorrida, pode estender-se também ao conhecimento da arguição da nulidade insanável decorrente da invocada incompetência material do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal para proceder à instrução dos autos. É o que inculca a leitura conjugada do despacho recorrido, proferido em 3 de maio de 2013 (fls. 576 e verso dos autos) com o que incidiu a arguição da sua nulidade, por omissão de pronúncia, proferido em 5 de junho de 2013 (fls. 596). No entendimento acolhido pelas instâncias, a definitiva aferição da competência material do tribunal de instrução, bem como das respetivas consequências, seria também relegada para o juiz de julgamento. 25. Não cabendo ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade da interpretação do direito aplicado pelo tribunal recorrido, mas tão-só a conformidade constitucional de normas ou critérios normativos, afi- gura-se, no entanto, incontornável, para a apreciação da questão de constitucionalidade agora em apreciação, observar um pouco mais de perto o pressuposto de que partiu a aplicação da norma controvertida – ou seja, a revisibilidade pelo juiz de julgamento da decisão do juiz de instrução quanto à arguição de nulidade insa- nável por incompetência material do tribunal de instrução. É que também o pressuposto da interpretação do tribunal a quo pode, em boa verdade, implicar questões de constitucionalidade (cfr. os Acórdãos deste Tribunal n. os 32/86, 353/86, 339/87, 153/90 e 266/98). Em primeiro lugar, e como acima já aludido, não se nos afigura possível transpor para a análise da con- formidade constitucional da norma que recusa a recorribilidade da decisão que indefere a arguição de uma nulidade absoluta e insanável decorrente da incompetência material do tribunal, o núcleo fundamental da argumentação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional na apreciação da norma que não admite o recurso da decisão instrutória (ou da decisão que conhece a arguição da nulidade daquela decisão). Referimo-nos em concreto à revisibilidade pelo juiz de julgamento do juízo indiciário sobre a verificação dos factos afirmado pelo juiz de instrução, na decisão de pronúncia proferida. Aceita-se claramente que a decisão do juiz de instrução de pronunciar um arguido encontra na fase de julgamento o momento próprio para revisitar os factos imputados ao arguido na acusação deduzida pelo Ministério Público, confrontando-os com os invocados pela defesa, bem como com as provas que em audiência de julgamento vierem a ser produzidas, culminando esta apreciação judicial na prolação de uma sentença que pode ser de condenação ou de absolvição. Já suscita, porém, sérias reservas, afirmar que a deci- são do juiz de instrução (subsequente à decisão instrutória) que conheceu da arguição de nulidade absoluta decorrente da sua incompetência material para proceder à instrução dos autos pode também ser revista pelo juiz de julgamento. E a razão da diferença é facilmente apreensível: existe uma distinção fundamental que não pode ser ignorada entre a natureza da decisão instrutória e a natureza do despacho que conhece a nuli- dade em causa. Por um lado, o objeto da decisão de pronúncia é diferente do conteúdo decisório da sentença condenatória (ou absolutória), desde logo porque o juízo de suficiência indiciária que funda o despacho de pronúncia não se confunde com o juízo de certeza sobre a culpabilidade do arguido que funda a condenação. Separa-os não apenas um diferente grau de exigência, como também o material probatório sobre que inci- dem. Enquanto na pronúncia se apreciam as provas recolhidas no inquérito e na instrução, no julgamento, são as provas produzidas em audiência que formam a convicção do julgador. Inversamente, a decisão sobre a competência (material) de um tribunal tem sempre um único e mesmo objeto, apenas podendo divergir o sentido decisório de reconhecimento, ou negação, da incompetência arguida. 26. Ao afirmar que qualquer dos vícios (nulidades) invocados perante o juiz de instrução criminal (por- tanto também o decorrente da incompetência material) pode ser reapreciado pelo tribunal de julgamento, e, subsequentemente, ainda por um tribunal superior em sede de recurso a interpor da sentença, o despacho
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