TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

545 acórdão n.º 482/14 Como referido no Acórdão n.º 387/08: «Os juízos operados quanto à seleção dos factos adquiridos e sua qualificação jurídica, quanto à escolha do direito aplicável e quanto à regularidade das provas – e é basicamente nisto que consiste a pronúncia do arguido – só são verdadeiramente efetivos quando são adotados pelo tribunal do julgamento, na sua sentença, o que, aliás, permite explicar a opção do legislador quanto à proibição de recurso ordinário da referida decisão. (…) a lei “desvaloriza” a força jurídica do despacho de pronúncia formulado nas referidas condições, ao impor a sua irrecorribilidade, e transfere para uma fase posterior – a fase de julgamento – a obrigação de o tribunal proceder à apreciação, com força de determinação jurídica, de toda a matéria de que a pronuncia conhece. Tal tarefa abrange a seleção dos factos incriminadores e da norma penal aplicável, e obriga a conhecer das nulidades opostas à prova produzida, conforme resulta, sem margem para dúvida, do n. os 2 e 3 do artigo 310.º do Código de Processo Penal e do disposto nos preceitos que regulam os requisitos da sentença (artigos 374.º e seguintes)». 20. Como já foi referido, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante, tem considerado constitucionalmente admissível, por não configurar uma restrição desproporcionada do direito ao recurso em processo penal, que o legislador, em benefício da celeridade processual, determine a irrecorribilidade do despacho que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação, bem como a irrecorribili- dade da decisão instrutória na parte em que decide questões prévias ou incidentais àquele despacho (de pro- núncia). Na base dessa jurisprudência constante está o pressuposto de que a natureza meramente provisória do juízo de imputação de factos suscetíveis de integraram a prática de crime que resulta da decisão instru- tória de pronúncia permite que qualquer vício ou nulidade que a afete possa sempre ser ainda devidamente conhecido na fase subsequente de julgamento, concretamente em dois momentos: na sentença que vier a ser proferida após o encerramento da audiência de julgamento ou em sede de recurso a interpor da sentença seja desfavorável ao arguido. Neste âmbito, em coerência, não pode deixar de se entender que o mesmo raciocínio se aplicará à irrecorribilidade do despacho que decida a arguição de vícios ( v. g ., nulidades) que afetem especificamente a decisão instrutória, designadamente na parte em que decida a arguição de nulidade da decisão instrutória por omissão do dever de pronúncia ou por falta de concretização dos factos imputados ao arguido. Decidir o contrário seria, afinal, permitir, por via indireta, a recorribilidade de uma decisão cuja irrecor- ribilidade resulta claramente da lei, solução que tem sido constantemente confirmada pelo Tribunal Consti- tucional como conforme à Constituição. Acresce que, o legislador infraconstitucional delineou a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público como traduzindo em si mesma já o resultado de uma função que representa uma dupla garantia, na medida em que impõe a comprovação por um juiz de instrução da acusação deduzida pelo Ministério Público. Através desta opção legislativa, o legislador procura proteger o arguido contra acusações infundadas ou ilegais, enquanto se garante a liberdade de decisão ao juiz do julgamento quanto à valoração das provas produzidas e à fixação dos factos provados. Tendo em conta essa natureza de dupla garantia, não se representa como inconstitucional, na linha da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, que se neguem graus de garantia adicional face à decisão instrutória neste caso. Sendo assim, de concluir será pela inexistência de restrição desproporcionada do direito de defesa do arguido (mais concretamente ainda, do direito ao recurso do arguido) quanto à norma que não admite o recurso da decisão que conhece da arguição de nulidade da decisão instrutória consistente em omissão do dever de pronúncia ou falta de concretização dos factos imputados ao arguido. 21. Tão-pouco é possível concluir que estas normas violam outros parâmetros constitucionais, desig- nadamente os invocados pelo recorrente, como sejam o direito à instrução e/ou à efetividade do direito ao contraditório em instrução.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=