TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

535 acórdão n.º 482/14 12. No que concerne ao direito ao recurso, a garantia constitucional de duplo grau de jurisdição só existe quanto às decisões condenatórias e às privações da liberdade e de outros direitos fundamentais. 13. Aliás, esta posição teve já acolhimento no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/94, que defendeu que, “Ora, pronúncia não é sentença ou decisão final. Por outro lado, a palavra «todas», reportada a «garantias de defesa», que aparece no n.º 1 do artigo 32 da Constituição, tem de ter uma interpretação razoável e assumida pela lei, sob pena, quando assim não fosse, de se cair em inseguro e ilimitado subjetivismo. Aliás, as «garantias de defesa», nos termos constitucionais, reportam-se ao «processo penal», enquanto tramitação global e complexa, e não, específica e diretamente, a cada ato processual.” 14. Assim, como se escreveu no Acórdão n.º 101/98 do Tribunal Constitucional, a intenção do legislador constituinte não foi “significar que haveria de ser consagrada, sob pena de inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa que tal processo se assegurará a possibilidade de impugnação das decisões judiciais de conteúdo condenatório.” 15. O recorrente/arguido poderá sempre, pois, recorrer da decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí con- testar todos os vícios que derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória. 16. Assim, o “direito ao recurso” nos termos do artigo 32.º, n.º1, in fine da CRP encontra-se sempre asse- gurado, na medida em que a questão em apreço poderá ser sempre recolocada no âmbito do recurso da decisão final. Assim, jamais a irrecorribilidade do despacho de pronúncia gerará uma restrição do direito constitucional ao recurso. 17. Acresce que, a decisão instrutória pronunciou o recorrente/arguido, prosseguindo assim o processo para a fase de julgamento pelo que, no entendimento do Ministério Público nas contra-alegações do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 236/94, “a norma constante do n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, ao vedar ao arguido o direito de recorrer da decisão instrutória que o haja pronunciado, assegurando, deste modo, o prossegui- mento do processo para julgamento, não viola o princípio da igualdade de armas, as garantias de defesa do arguido ou qualquer outro preceito ou princípio constitucional”. 18. Sucede que, este regime especial de irrecorribilidade não é arbitrário, fundamentando-se na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo penal ou seja, pelo Ministério Público, no inquérito, e pelo juiz de instrução. Sendo que, o Ministério Público constitui-se como uma magistratura autónoma (artigo 219.º, n.º 2, da CRP), sendo concebido, no processo penal, como um sujeito isento e objetivo. 19. Assim, o que se garante com o artigo 32.º n.º 4 da CRP.é que a instrução (quando tem lugar) seja dirigida por um juiz. 20. Porém, daí não se infere que, tendo havido instrução dirigida por um juiz, o artigo 32.º n.º 1, – ao consa- grar que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa incluindo o recurso – imponha o recurso de todo e qualquer tipo de decisão instrutória, designadamente a que pronuncia o arguido pelos mesmos factos constantes da acusação. 21. Ora, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no artigo 32.º n.º 1 da CRP, deve continuar a entender-se no âmbito das garantias de defesa, como um instrumento ao qual se apela só e quando estas garantias o exijam o que, pelas razões supra mencionadas e reiteradas, repetidamente, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, não compreende a impugnação do despacho de pronúncia. 22. Assim, na esteira da jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional, sempre se recusou que a CRP impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos em processo penal. 23. De facto, a fim de garantir o cumprimento dos objetivos constitucionais, a lei assegura ao arguido a possi- bilidade de recorrer de uma decisão condenatória. 24. Todavia, multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer o imperativo constitucional da celeridade na resolução dos processos-crime (artigo 32.º, n.º 2, in fine , da Constituição da Repú- blica Portuguesa). 25. Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das decisões condenatórias, garantindo-se uma melhor fluência do processo, o legislador

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=