TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
529 acórdão n.º 482/14 subir a final, sob o provável argumento de que a sua retenção não o torna absolutamente inútil (vide artigo 407.º, n.º 1, a contrario sensu , do CPP). 50.º – Pelo que, nesse caso, havendo condenação do arguido, mesmo que se viesse a reapreciar a questão, e confirmar em recurso a omissão de pronúncia da decisão instrutória, o arguido terá sido pronunciado, e submetido a julgamento, por força de uma decisão omissão quanto a questões do RAI potencialmente capazes de justificar um despacho de não pronúncia, com base numa decisão não definitiva, por compressão do direito à efetivada da fase de instrução, e do “direito a não ser submetido a julgamento”, cuja existência se sabe não é pacífica na juris- prudência do TC”. 51.º – Assim, cumpre desde logo perguntar, face à norma aplicada, perguntar não sendo definitivo o juízo sobre a suficiência da apreciação do pedido de instrução pelo TIC, é ainda assim constitucionalmente aceitável avançar com o julgamento determinado por uma decisão instrutória potencialmente omissa sobre aspetos relevan- tes da instrução, quando o arguido a julgar se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). 52.º – É que, uma coisa é submeter o arguido a julgamento face ao trânsito em julgado de uma decisão relativa aos indícios da prática do crime, à luz de um juízo indiciário insindicável por qualquer outro Tribunal e tendencial- mente irreversível, outra, bem diferente, será submeter-se o arguido a julgamento com base num juízo indiciário (em si insindicável), quando a validade do mesmo depende da suficiência da decisão instrutória, questão esta que fica em aberto, e para (re)apreciar pelo Tribunal de Julgamento. Neste caso, o que a norma permite é que se avance para o julgamento do arguido sem que exista um mínimo de certeza jurídica quanto à subsistência/manutenção da própria decisão instrutória, e que se submeta o arguido a julgamento nessas circunstâncias, afigurando-se mate- rialmente inconstitucional tal compressão do direito à segurança jurídica, ao recurso, e ao princípio da presunção da inocência (artigos 32.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP), por a almejada tutela da celeridade não se revelar, face à previsão da norma em concreto, minimamente “compatível com as garantias de defesa”. 53.º – Por outro lado, havendo absolvição do arguido, a norma aplicada admite, potencialmente, na sua pre- visão: a) uma violação do direito à efetivadade da fase da instrução (por eventual erro na aplicação do direito, ou consciente omissão de pronúncia pelo Tribunal), ao confiar em exclusivo a aferição do seu cumprimento ao Tribunal que auto sindica a suficiência da sua pronúncia sobre o RAI do arguido, sem que a sua decisão seja passível de reapreciação por um Tribunal superior [pois que após a eventual absolvição, potenciada até por uma pronúncia infundada, o arguido não terá sequer legitimidade em recorrer, por ausência de interesse em agir – vide artigo 401.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP]; e b) por via disso, viola o direito ao recurso sobre uma questão fulcral no âmbito dos direitos de defesa do arguido – a aferição da suficiência e efetivadade do direito à instrução (artigo 32.º, n.º 1, 4 e 5, da CRP). 54.º – Pelo exposto, tal norma viola os direitos de defesa, e ao recurso do arguido, e o direito à instrução, à efetividade do direito ao contraditório nesta fase processual, em violação dos artigos 18.º, n. os 2 e 3, 20.º, n.º 5, e 32.º, n. os 1, 4 e 5, todos da CRP. 55.º – O único argumento esgrimido pelo Tribunal recorrido para defender a conformidade constitucional da norma a sindicar foi o da inexistência de um juízo definitivo sobre a questão da nulidade emergente da alegada omissão de pronúncia, o que permitirá ao arguido fazer reapreciar tal questão pelo Tribunal de Julgamento e recor- rer depois de tal decisão. 56.º – Porém, tal argumento pretensamente “constitucionalizante” da norma baseia-se num parâmetro ina- ceitável à luz da Constituição. Constitucionalizar a norma em causa a pretexto da ausência de formação de um caso julgado sobre a questão não tutela qualquer bem constitucional substancial (mas apenas uma visão formal inconstitucional do caso julgado), e constitui, portanto, uma medida desadequada para a defesa de qualquer bem constitucional valioso, bem como viola bens constitucionais valiosos, como a segurança jurídica [artigos 9.º, alí- nea b) , 282.º, n.º 3 e n.º 4, da CRP], a tutela particular conferida pela Constituição ao caso julgado (artigos 111.º, n.º 1, 205.º, n. os 2 e 3 e 282.º, n.º 3, ambos da CRP), o princípio da obrigatoriedade das sentenças judiciais para
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