TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
526 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL num único argumento, a saber: a ausência de formação de caso julgado pela decisão do JIC que aprecia as diversas nulidades invocadas e, concretamente, a alegada violação do direito ao Juiz natural na fase instrução. 23.º – Dito isto, a refutação da apreciação que quanto à questão da constitucionalidade normativa foi feita na douta Decisão recorrida não se confunde, nem pode confundir, com a imputação à própria decisão recorrida de uma qualquer inconstitucionalidade, que não é, nem se pretende que seja, objeto do presente recurso. 24.º – Na ótica do arguido, relegar para uma fase posterior do processo a definitiva aferição da competência material do Tribunal Central de Instrução Criminal – cuja violação é rotulada pelo legislador infraconstitucional como nulidade insanável – redunda numa solução legal caótica, que remete a (re)aferição do cumprimento do princípio do juiz natural para uma putativa apreciação a realizar prima facie por um Tribunal hierarquicamente idêntico ao de Instrução (o de Julgamento), solução legal gera uma total insegurança relativamente à efetiva com- petência do Tribunal e, consequentemente, à validade da própria decisão instrutória proferida, em nítida violação do princípio da segurança jurídica, da competência e hierarquia dos Tribunais, e da boa administração da Justiça, inerentes ao princípio do Estado de direito democrático, ínsitos nos artigos 2.º, 9.º, alínea b) , 20.º, n.º 5, 111.º, n.º 1, 202.º e 209.º a 211.º, todos da CRP. 25.º – O argumento a favor da constitucionalidade material da norma aplicada radica, por banda da douta Decisão recorrida, na inversão da hierarquia dos Tribunais constitucionalmente consagrada, endossando a um Tri- bunal de idêntico grau hierárquico (o de julgamento) a tarefa da eventual reapreciação, manutenção ou alteração da decisão, já transitada em julgado, anteriormente tomada pelo Tribunal de Instrução Criminal. 26.º – O mesmo é dizer que, na apreciação da constitucionalidade da norma que aplicou, o Venerando Tribu- nal Recorrido aplicou um parâmetro que, s.m.o., subverte e viola “a interordenação constitucional dos tribunais e da sua competência”. 27.º – Por outro lado, o juízo de constitucionalidade expendido pelo Venerando Tribunal recorrido relativa- mente à norma aplicada atribuiu um valor provisório e instável à decisão do Tribunal de Instrução que apreciou a respetiva competência material, afirmando que a questão, mesmo após transitada a decisão do JIC, poderá vir a ser reapreciada pelo Tribunal de julgamento e, se for caso disso, por um Tribunal Superior em sede de recurso. 28.º – Não definindo a Constituição o conceito de caso julgado deverá aceitar-se o “conceito pré-constitucional, suficientemente densificado (designando as situações em que de forma definitiva e irretratável, foram fixadas por sentença judicial) ” (itálico nosso). 29.º – O caso julgado é uma garantia para a segurança jurídica, para os direitos e expectativas de todos os par- ticipantes processuais, e delimita os limites objetivos do decidido e do que não pode ser repetido. 30.º – Vedar, através da norma aplicada, o direito ao recurso ordinário sobre a questão da nulidade insanável decorrente da violação da regras da competência material do Tribunal, e “constitucionalizar” tal solução normativa a pretexto da ausência de formação de um caso julgado sobre a questão, não tutela qualquer bem constitucional substancial (mas apenas uma visão formal inconstitucional do caso julgado), e constitui, portanto, uma medida desadequada para a defesa de qualquer bem constitucional valioso, bem como sacrifica um dos bens constitucionais mais valiosos (a segurança jurídica), em violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 3, 20.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, e da tutela constitucional do caso julgado, em violação dos artigos 111.º, n.º 1, 205.º, n. os 2 e 3 e 282.º, n.º 3, ambos da CRP. 31.º – De resto, ao invocar a reversibilidade do caso julgado ( rectius , a inexistência de caso julgado formal) como argumento para a constitucionalidade da norma, a decisão recorrida esquece que os casos de reversibilidade do julgado penal admitidos pela Constituição têm como fundamento comum a proteção do arguido, ao passo que – a propósito da norma aplicada – a invocação de tal reversibilidade se faz contra ele, como forma de justificação da denegação do direito ao recurso. 32.º – De resto, como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 164/08, datado de 5MAR08, a intangibilidade do caso julgado não pode ser invocada em manifesto prejuízo do arguido. 33.º – Reiterando tal jurisprudência decidiu-se depois no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 201/10, proferido no Processo n.º 904/08, pela 1.ª Secção, em que foi Relator o Exm.º Senhor Juiz Con- selheiro José Borges Soeiro, “Obviamente que a necessidade de segurança jurídica justifica a proteção do caso
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