TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
525 acórdão n.º 482/14 por decisão de um órgão incompetente, com base numa decisão não definitiva, por compressão do direito ao juiz legal, e, por acréscimo, do “direito a não ser submetido a julgamento”, cuja existência se sabe “não é pacífica na jurisprudência do TC”, quando o arguido a julgar se presume inocente (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). 15.º – É que, uma coisa é submeter o arguido a julgamento face ao trânsito em julgado de uma decisão relativa aos indícios da prática do crime, à luz de um juízo indiciário insindicável por qualquer outro Tribunal e tendencial- mente irreversível, outra, bem diferente, será submeter-se o arguido a julgamento com base num juízo indiciário quando a validade do mesmo depende da competência do Tribunal de Instrução que o proferiu, questão esta que fica em aberto, e para (re)apreciar pelo Tribunal de Julgamento. Neste caso, o que a norma permite é que se avance para o julgamento do arguido sem que exista um mínimo de certeza jurídica quanto à subsistência/manutenção da própria decisão instrutória, e que se submeta o arguido a julgamento nessas circunstâncias, afigurando-se mate- rialmente inconstitucional tal compressão do direito à segurança jurídica, ao recurso, e ao princípio da presunção da inocência (artigos 32.º, n.º 2 e 18.º, n.º 2, da CRP), por a almejada tutela da celeridade não se revelar, face à previsão da norma em concreto, minimamente “compatível com as garantias de defesa”. 16.º – Por outro lado, havendo absolvição do arguido, a norma aplicada admite, ao menos potencialmente, a possibilidade de: a) uma violação do princípio do juiz legal no que concerne à fase da instrução (por eventual erro na aplicação do direito ou consciente desaforamento do Tribunal competente), ao confiar em exclusivo a aferição do seu cumprimento ao Tribunal que auto sindica a sua competência material, sem que a sua decisão seja passível de qualquer reapreciação por um Tribunal superior (pois que, após a eventual absolvição, potenciada até por uma pronúncia infundada, o arguido não terá sequer legitimidade para recorrer, por ausência de inte- resse em agir – vide artigo 401.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP); e c) por via disso, viola o direito ao recurso sobre uma questão fulcral no âmbito dos direitos de defesa do arguido – a aferição da competência do Tribunal de Instrução à luz de lei anterior (artigo 32.º, n.º 9, da CRP), questão esta intimamente relacionada com a independência do Tribunal (artigo 203.º da CRP). 17.º – A adequada compatibilização dos interesses constitucionais conflituantes da celeridade processual (ínsito no artigo 32.º, n.º 2, da CRP), e da tutela efetiva e em tempo útil (ínsito ao artigo 20.º, n.º 5, da CRP) relativa- mente aos direitos de defesa do arguido, incluindo o recurso, e do princípio do juiz legal na fase de instrução (artigo 32.º, n. os 1, 4 e 9 da CRP) seria facilmente alcançável, através da interpretação conforme à Constituição dos artigos aplicados, no sentido de se admitir a recorribilidade ordinária da decisão que aprecie a nulidade insanável prevista no artigo 118.º, alínea e) , do CPP, bastando para tal que tal recurso seja admitido com efeito suspensivo ou, ad minimo, com subida imediata, em separado, e com o efeito meramente devolutivo, assim se assegurando a tutela do interesse na celeridade processual, e, ao menos de forma mínima, os demais interesses e direitos constitucionais conflituantes. 18.º – Esta a interpretação normativa conforme à Constituição que o recorrente considera o Tribunal Consti- tucional deverá fixar, procedendo à compatibilização dos bens jurídicos, por vezes conflituantes, da celeridade e da efetividade dos direitos de defesa do arguido (nesse sentido vide os doutos Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 68/00 e 417/03). 19.º – Assim, a mera negação do direito ao recurso, através da norma aplicada, não configura uma medida legal necessária à tutela da celeridade processual, sendo por isso violadora dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 5 e 32.º, n.º 1, 4 e 9, todos da CRP. 20.º – Não cabe, como é sabido, ao Tribunal Constitucional sindicar a correção das decisões tomadas pelos Tribunais Judiciais (vide artigos 210.º e 221.º, ambos da CRP), competindo-lhe “especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”. 21.º – Tal não significa que os Tribunais judicias possam aplicar normas que infrinjam o disposto na Constitui- ção, competindo-lhes ao invés o dever oficioso de recusar tal aplicação, conforme resulta do artigo 204.º da CRP. 22.º – No caso sub judice , face à invocação, pelo arguido, da inconstitucionalidade material das diversas normas aplicadas, o Tribunal ora recorrido fundamentou o seu juízo de constitucionalidade sobre as mesmas estribando-se
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