TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7.º – O princípio do juiz natural está sujeito ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias, os quais apenas podem ser restringidos por lei geral e abstracta (reserva de lei restritiva), e nos casos expressamente previstos na Constituição, não podendo a restrição “ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. 8.º – Esta exigência tem por objetivo “exercer uma função de advertência (Warnfunktion) relativamente ao legislador, tornando-o consciente do significado e alcance da limitação de direitos, liberdades e garantias, e cons- tituir uma norma de proibição, pois sob reserva de lei restritiva não se poderão englobar outros direitos salvo os autorizados pela Constituição”. 9.º – Perante um tal princípio, caso o Tribunal de Instrução se considere (como se considerou in casu ) material- mente competente para a instrução, e o arguido entenda que não o é, por se acharem violadas as regras atributivas de competência material e, consequentemente, o princípio do juiz legal/natural, negar ao arguido o direito a um recurso ordinário sobre a questão, e, assim, o direito à intervenção de um Tribunal superior àquele que auto sindi- cou a sua competência, equivale a admitir, por via da norma aplicada, a ausência de tutela efetiva do direito ao juiz legal/natural na fase de instrução, tutela esta prevista no artigos 20.º, n.º 5, e 32.º, n.º 9, ambos da CRP. 10.º – Efetivamente, face à previsão da norma aplicada, das duas uma: a) ou através da norma aplicada se nega, em absoluto, o direito a uma reapreciação da questão da (in)com- petência do Tribunal de Instrução Criminal, o que configuraria uma evidente ausência de tutela efetiva do núcleo essencial do princípio, pois de nada valeria o pré-estabelecimento pela lei dos critérios objetivos atributivos da competência a um determinado Tribunal de Instrução, quando um qualquer outro Tribunal, chamado a auto sindicar a sua competência pudesse potencialmente [de forma consciente ou por mero erro na aplicação do direito] violar tais critérios, arrogando-se à competência para apreciar o processo [em nítido desaforo do juiz legal], sem que ao arguido se atribuísse o direito a recorrer da decisão assim tomada para um Tribunal superior; b) ou, através da norma aplicada [como se entendeu ser o caso na decisão recorrida], se nega a existência de recurso na presente fase do processo, relegando para uma eventual fase posterior do mesmo a definitiva aferição da competência material do Tribunal Central de Instrução Criminal – cuja violação é rotulada pelo legislador infraconstitucional como nulidade insanável – o que redunda numa solução legal caótica, que endossa a (re)aferição do cumprimento das regras da competência do Tribunal de Instrução para uma putativa apreciação a realizar subsequentemente por um Tribunal hierarquicamente idêntico ao de Instru- ção (o de Julgamento), sendo que neste cenário, como o recurso relativo à questão do Juiz natural apenas subiria a final (vide artigo 407.º, n.º 1, a contrario sensu , do CPP), em caso de absolvição do arguido após o julgamento em 1.ª instância, o mesmo deixaria de ter legitimidade para recorrer daquela decisão, solução legal que viola a tutela do princípio previsto no artigo 32.º, n.º 9, da CRP, violando os artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 5, ambos da CRP. 11.º – A norma aplicada viola ainda o direito do arguido ao Recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 12.º – Efetivamente, à luz da Constituição o “recurso”, a que se refere o artigo 32.º, n.º 1, in fine , da CRP, não poderá deixar de ser um pedido de reapreciação, dirigido a um Tribunal hierarquicamente superior, relativamente a uma determinada questão apreciada por uma primeira instância judicial, sendo que, a competência e a hierarquia dos Tribunais, está expressamente prevista nos artigos 209.º a 211.º, todos da CRP, violando a decisão recorrido o conceito jurídico constitucional de recurso, ao endossar a eventual reapreciação da questão ao um Tribunal da mesma hierarquia. 13.º – Aliás, mesmo se a questão da competência vier a ser recolocada e (re)examinada pelo Tribunal de Jul- gamento, o recurso de tal eventual decisão, liminar, interlocutória ou incluída na Sentença, apenas será mandado subir a final, sob o provável argumento de que a sua retenção não o torna absolutamente inútil (vide artigo 407.º, n.º 1, a contrario sensu , do CPP). 14.º – Pelo que, nesse caso, havendo condenação do arguido, mesmo que se viesse a reapreciar a questão, e a confirmar em recurso a incompetência do TCIC, o arguido terá sido pronunciado e será submetido a julgamento
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=