TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
517 acórdão n.º 480/14 Assim, apesar de formalmente ser correto afirmar que a servidão em questão não implica, verdadeiramente, perda da aptidão para construir, a verdade é que coloca o seu proprietário numa posição em que essa aptidão se encontra inteiramente nas mãos de uma autoridade administrativa, que sobre ela decidirá casuisticamente. Sem pôr em causa o pressuposto de que parte o acórdão de que a concessão da indemnização não é con- dição da licitude constitucional de norma “conformadora” do direito de propriedade, entendo no entanto, que a proibição absoluta de concessão de indemnização – sem qualquer exceção – pode afastar essa licitude, nos casos em que – como no presente – surja como uma solução excessivamente gravosa para o direito de propriedade. 6. Para além disso, numa perspetiva mais genérica, não concordo com certos aspetos da fundamentação do presente acórdão. De acordo com o que se retira do acórdão a lei, na medida em que possa ser vista como reguladora ou conformadora do direito de propriedade, de uma forma geral e abstrata, nunca poderia ser considerada violadora deste direito, apenas podendo ser julgada inconstitucional à luz de princípios genéri- cos como a igualdade ou a proporcionalidade. Uma lei violaria o direito de propriedade privada na medida em que, ela própria corporizasse uma concreta ablação do direito de propriedade de uma pessoa ou conjunto de pessoas. Todavia, aceitar esta visão é aceitar o esvaziamento do âmbito de proteção de um direito funda- mental absolutamente central, como é o direito de propriedade. Na medida em que se aceite que o direito de propriedade privada é um direito fundamental ao qual é aplicável o regime constante no artigo 18.º da Constituição, não pode deixar de se aceitar também que as restrições ao direito de propriedade terão de ser controláveis pela jurisdição constitucional, a essa luz, mesmo que não imponham um sacrifício grave e espe- cial para um particular. A norma objeto do presente recurso configura uma restrição de um direito fundamental – o direito de propriedade. O jus aedificandi não deve ser visto como uma mera concessão do poder público – antes está intrinsecamente relacionado com o direito de propriedade e assim deve ser analisado. O que não significa que não possa ser afetado, comprimido ou até suprimido. Na “perspetiva jusfundamental (…), o problema das servidões administrativas non aedificandi e de quaisquer restrições por utilidade pública ao direito de propriedade privada do solo deve ser sempre considerado como problema de restrições a direitos fundamen- tais, seja quando se apresentam com a gravidade equivalente a uma expropriação, e, nessa altura, devendo ser correspondentemente tratadas e indemnizadas – independentemente das formulações mais ou menos restri- tivas da lei – seja, quando, mesmo não apresentando tal gravidade e sendo constitucionalmente legítimas, devam ser eventualmente indemnizáveis em função dos interesses em ponderação, dos prejuízos em causa e das circunstâncias objetivas do caso concreto” (J. Reis Novais, “Ainda sobre o jus aedificandi ”, in Direitos Fundamentais: trunfos contra a maioria, Coimbra Editora, 2006, p. 150). – Maria de Fátima Mata-Mouros. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 17 de setembro de 2014. 2 – Os Acórdãos n. os 262/93 , 594/93 e 329/94 e stão publicados em Acórdãos, 24.º, 26.º e 27.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 329/99 , 544/01 e 421/09 estão publicados em Acórdãos , 44.º, 51.º e 75.º Vols., respetivamente.
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