TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
516 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aedificandi sobre certos terrenos, por violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição. Ora, a redação desse preceito do CE76 – «As servidões derivadas diretamente da lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário» – é literalmente muito próxima da norma que é objeto da presente decisão – «As servidões militares e as outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade não dão direito a indemnização». A servidão militar aqui em causa é uma servidão administrativa equivalente à que se encontrava prevista no Código das Expropriações e que foi reiteradamente julgada inconstitucional. 2. É certo que o Tribunal Constitucional nunca afirmou que toda e qualquer servidão administrativa, diretamente imposta por lei, deveria ser acompanhada da devida indemnização, a conceder, nos termos dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP, ao proprietário por aquela afetado, mas isso não esgota a questão de cons- titucionalidade colocada no caso em presença. No caso do presente recurso, o que é pedido ao Tribunal é que avalie a desconformidade constitucional de uma norma (cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo ) que afasta sempre o dever de indemnizar pelos sacrifícios patrimoniais decorrentes de servidão militar, ainda que estes se apresentem como equivalentes aos sacrifícios decorrentes de uma expropriação. 3. O Acórdão parece alhear-se da eventualidade de uma imposição de uma servidão militar poder ori- ginar, em certos casos, um nível de sacrifício que justificaria o direito a indemnização, aceitando a confor- midade constitucional de uma norma segundo a qual a servidão militar nunca dá origem a indemnização. Ora, uma tal norma, só por si, demonstra ser desproporcionada por excessiva, e, em consequência, violadora do direito de propriedade – porque exclui sempre, independentemente do caso, o dever de inde- minização. 4. É também verdade que o regime em análise se apresenta como geral e abstrato, aplicando-se, tenden- cialmente, a todos os proprietários nas mesmas condições, com o objetivo de assegurar a prossecução de fins de interesse público. Tal como é correto afirmar que não existe uma ablação total da propriedade – ela não muda de mãos. Mas, mais uma vez, essa não é a questão. A questão objeto do presente processo prende-se com o facto de o regime de instituição de uma servidão militar poder levar a um sacrifício do direito de proprie- dade – dele excluindo certas faculdades de utilização privada do imóvel –, que seja equivalente ao sacrifício expropriatório, sem que exista o correspondente dever de indemnização decorrente do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição. Com efeito, no regime aplicável aos terrenos que ficam onerados pelas servidões em presença, os prédios em causa ficam sujeitos ao disposto no artigo 2.º do Decreto n.º 47 040, que proíbe, sem licença prévia da autoridade militar competente, entre outros trabalhos e atividades, «fazer construções de qualquer natureza». Os critérios legais a que deve obedecer a apreciação de pedidos de licenciamento em áreas sujeitas a servidões militares constam do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 45 986, de 22 de outubro de 1964. Acontece que esses critérios se encontram definidos de uma forma tão geral, utilizando cláusulas de tal forma indeter- minadas (como «permitir às Forças Armadas a execução das missões que lhes competem» ou a garantia «do funcionamento das instituições militares»), que concedem um enorme grau de discricionariedade às auto- ridades militares, à margem da possibilidade de controlo judicial – como se pode ver no presente processo. 5. De acordo com o Acórdão, não se está aqui perante uma restrição do direito de propriedade, mas apenas a sua conformação ou limitação. No entanto, tendo em conta o espaço de livre decisão administrativa concedido às autoridades militares, a verdade é que o proprietário se encontra numa posição de sujeição que pode ter efeitos próximos dos expropriativos. Como refere José de Melo Alexandrino, «A distinção entre “restrição” e “limitação” é, no entanto, relativa, uma vez que uma limitação pode transformar-se facilmente numa restrição. É isso que acontece, por exemplo, se for exigida uma autorização prévia discricionária (…)» (cfr. José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais Introdução Geral, Princípia, 2011, pp. 124-125).
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