TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
513 acórdão n.º 480/14 constitucional de garantia da propriedade, é necessário que a lei ordinária defina os limites e o conteúdo que o direito [de propriedade] assume na ordem jurídica. Porém, uma coisa é o definir, por lei, o conteúdo e limites do direito de propriedade; e outra coisa bem distinta é o impor, por lei, um sacrifício grave e especial ao proprietário cujo direito foi previamente definido por lei conformadora. Enquanto a lei que conforma a propriedade se “subsume” ao disposto no n.º 1 do artigo 62.º da CRP, a lei que sacrifica a propriedade contém-se valorativamente na previsão do instituto a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo. Daqui decorre uma importante consequência, a qual pode ser resumida do seguinte modo. A lei que conforma a propriedade, ou seja, que define o conteúdo e limites que o correspondente direito assume na ordem jurídica, pode vir a ser inconstitucional por eventual violação dos princípios constitucio- nais pertinentes – v. g. , da igualdade e da proporcionalidade. Contudo, e uma vez que através dela se não opera um sacrifício grave e especial que faça recair a ablação legislativa na fattispecie do n.º 2 do artigo 62.º, a sua inconstitucionalidade não pode decorrer do simples facto de a lei “ablativa” ter expressamente excluído a previsão de indemnização. Diversamente: se a lei que impõe a servidão se mostrar, pelos seus efeitos agres- sivos, geradora de um sacrifício grave e especial para o particular e, portanto, valorativamente idêntica ao ato dos poderes públicos que, nos termos do n.º 2 do artigo 62.º da CRP impõe, por razões de utilidade pública, a expropriação, então, a simples exclusão por parte dessa lei da indemnização devida (indemnização essa que, nos termos constitucionais, é condição de licitude do ato expropriatório) será fundamento do juízo de inconstitucionalidade. Como, no presente caso, o pedido que é endereçado ao Tribunal se cifra na questão estrita da indemni- zabilidade da servidão (e não em questão diversa, que é a de saber se as leis que impuseram a servidão militar conformaram inconstitucionalmente o limite e o conteúdo do direito de propriedade: recorde-se que está em juízo apenas a norma legal de 1955 que expressamente exclui a concessão de indemnização em caso de constituição de servidão militar, e não as normas legais nos termos das quais a servidão foi constituída) para a sua resolução importa, antes do mais, determinar o tipo de efeitos que a constituição da servidão provocou. Tal exige que atentemos em todo o regime jurídico que disciplina a servidão militar a que se refere o caso dos autos, e não apenas naquela parte desse regime que vem agora impugnada – e que consta da norma que expressamente exclui a concessão da indemnização. 10. A norma sub judicio consta da Lei n.º 2078, de 11 de julho de 1955, diploma que regula o regime jurídico relativo à constituição de uma servidão militar ou a outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade. Nos termos do disposto no artigo 1.º desse diploma, «[a]s zonas confinantes com organizações ou ins- talações militares ou de interesse para a defesa nacional, de caráter permanente ou temporário, ficam sujeitas a servidão militar nos termos da presente lei», prevendo-se ainda o estabelecimento de outras restrições ao direito de propriedade em zonas não confinantes com organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional. As finalidades que, nos termos do artigo 2.º desse diploma, justificam a constituição de servidões mili- tares e de outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade são a de garantir a segurança das organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional; garantir a segurança das pessoas e dos bens nas zonas confiantes com certas organizações ou instalações militares ou de interesse para a defesa nacional; permitir às forças armadas a execução das missões que lhes competem, no exercício da sua ativi- dade normal ou dentro dos planos de operações militares e manter o aspeto geral de determinadas zonas com particular interesse para a defesa do território nacional, procurando evitar o mais possível a denúncia de quaisquer organizações ou equipamentos militares nelas existentes. Do regime legal importa ainda destacar que as servidões militares se classificam em «servidões gerais» e «servidões particulares». Enquanto as servidões gerais compreendem a proibição de executar, sem licença da autoridade militar competente, todos os trabalhos e atividades previstas nas diferentes alíneas do artigo 9.º desse diploma, as
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