TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

512 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL juridicamente relevante. (…) A justa indemnização vem precisamente realizar a «descompressão» da esfera jurídico-patrimonial do particular onerado, transmudando o resultado do ato lesivo numa situação equiva- lente à que corresponderia a uma ausência de interferência estadual. Isso traduz uma exigência dos princípios constitucionais do Estado de direito (responsabilidade por atos lesivos dos direitos dos particulares) e da igualdade (o dano não pode implicar um acréscimo desigual e injustificado da contribuição dos cidadãos para os encargos públicos).” Porém, e apenas com este lastro jurisprudencial, não pode dar-se por resolvida a questão colocada no caso, no sentido de, também em relação a ela, se concluir já pelo juízo de inconstitucionalidade. A razão por que tal sucede não reside tanto na particularidade distintiva dos casos concretos em que foram proferidos os juízos de inconstitucionalidade acima mencionados, e em que ocorrera sempre um processo de expropriação em “sentido clássico”, sendo a servidão non aedificandi, incidente sobre a parcela restante do território não expropriado, constituída em consequência da expropriação. É certo que esse traço distintivo não está presente na questão sub judicio . Mas não é por esse facto que a doutrina constante da jurisprudência acima mencionada se mostra incapaz de, por si só, fornecer uma solução imediata para a questão que agora é colocada ao Tribunal. Como se disse, ainda que interrogativamente, em declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 262/93, não se compreende por que razão haveria que restringir-se o juízo de inconstitucionalidade nele feito, e atentos os fundamentos para tanto invocados, apenas às hipóteses em que a constituição da servidão se conjugasse com um processo expropriativo hoc sensu. Aliás, que assim é demons- tra-o a forma como o legislador ordinário, ao elaborar o Código das Expropriações de 1999, interpretou os continuados juízos de inconstitucionalidade que o Tribunal proferiu sobre o artigo 3.º, n.º 2, do Código de 1976. Como vimos, o artigo 8.º, n.º 2, do Código de 1999 prevê as situações típicas em que a constituição da servidão administrativa deve dar lugar ao pagamento de uma indemnização, quer tal servidão resulte, ou não, de expropriação. Não é pois o facto de, no caso, a servidão militar ter sido constituída à margem de qualquer processo expropriatório que, só por si, impede que se estenda para ele, sem ulteriores indagações, o juízo de inconstitucionalidade. O que se mostra verdadeiramente impeditivo desta extensão é antes o facto de o Tribunal nunca ter dito que toda e qualquer servidão administrativa, diretamente imposta por lei, deve- ria ser acompanhada da devida indemnização, a conceder, nos termos dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP, ao proprietário por aquela afectado (cfr. supra , ponto 6). 9. Com efeito, à questão de saber se é indemnizável a servidão administrativa diretamente decorrente da lei só pode ser dada resposta afirmativa se, antes dela, se tiver respondido também afirmativamente a uma outra questão que, logicamente, lhe é prévia. Consiste esta última em saber se à lei que impõe a servidão deve ser “aplicado” o n.º 2 do artigo 62.º da CRP ou se, diferentemente, essa lei se inclui antes na previsão genérica do n.º 1 do mesmo artigo. Dizendo de outro modo: a afirmação da indemnizabilidade da servidão diretamente imposta por lei depende da qualificação que se fizer do ato legislativo que impõe a servidão, atendendo aos seus efeitos. Se se entender que, por força desse ato, ao particular afetado é imposto um sacrifício grave e especial que merece reparação, de acordo com as exigências decorrentes do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, a aplicação ao caso do disposto no n.º 2 do artigo 62.º da CRP encontra-se valorativamente justifi- cada. Contudo, e uma vez que a afetação legal do direito de propriedade pode traduzir-se em outra coisa que não a imposição ao particular de um sacrifício grave e especial – pode traduzir-se antes na mera conformação legal da propriedade, através da delimitação genérica do seu conteúdo e limites – importa antes do mais qua- lificar a lei que impõe a servidão, de modo a que se saiba se dos seus efeitos decorre a ablação indemnizável do direito ou apenas a estrita conformação legal do mesmo. Se se concluir por esta última hipótese, ao caso será aplicável o n.º 1 do artigo 62.º da CRP, e não o disposto no seu n.º 2. Com efeito – e como se disse, entre outros, no Acórdão n.º 421/09 – no n.º 1 do artigo 62.º a Cons- tituição endereça ao legislador ordinário uma «ordem de regulação». Para que se cumpra a imposição

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