TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

51 acórdão n.º 575/14 do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as normas da União Europeia, não havendo sequer, neste domínio, divergência entre o Direito da União Europeia e o Direito Constitucional Português. IX – A medida contida no Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República implica uma alteração signi­ ficativa na configuração do sistema previdencial da segurança social portuguesa, tratando-se de uma limitação do princípio do benefício, definido – enquanto princípio estruturante do modelo de for- mação do direito à pensão –, depois de ele ter sido legitimamente adquirido pelo seu titular; sendo que o essencial da escolha política que o decreto contém se cifra na fixação das taxas correspondentes à «contribuição de sustentabilidade», a qual equivale indiscutivelmente a uma medida definitiva de redução das pensões já em pagamento, o que determina o caráter fortemente «retrospetivo» desta medida, adquirindo particular consistência, no caso, a necessária tutela da confiança das pessoas afe- tadas, titulares de direitos já «formados», e valorados pela Constituição. X – A contribuição de sustentabilidade agora instituída como uma medida estrutural de reforma do siste- ma de segurança social – e, por isso mesmo, caracterizada como uma redução definitiva do montante de pensões já atribuídas – é uma medida similar à antiga contribuição extraordinária de solidariedade (CES) prevista na Lei do Orçamento do Estado para 2013, e reproduzida na Lei do Orçamento do Estado para 2014, entretanto reformulada pela primeira alteração a essa lei, e que provinha já, ainda que com diferente base de incidência quanto à taxa aplicável e ao universo dos destinatários, das leis que aprovaram os orçamentos do Estado para 2011 e 2012. XI – Ora, a contribuição de sustentabilidade, pretendendo afetar direitos adquiridos e, portanto, pensões já atribuídas, e produzindo uma redução definitiva das pensões em pagamento, a pretexto de uma alega- da sustentabilidade do sistema, é inteiramente indiferente às situações diferenciadas dos pensionistas que, apenas porque abandonaram a vida ativa em momentos temporalmente diversos, se encontram já numa situação mais gravosa por efeito da evolução legislativa em matéria de pensões, não podendo uma tal medida deixar de suscitar sérias dificuldades no plano da igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional. XII – Embora estejamos perante uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma cate- goria de situações, mas que é determinada por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal, o legislador, ao criar um novo regime legal que se destina a afetar qualquer situação jurídica que se encontre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pen- sões já atribuídas), não pode deixar de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da medida, não podendo dizer-se, nessa circunstância, que as diferenças de regimes são decorrentes da normal sucessão de leis; com efeito, é a nova lei que põe em causa o princípio da não retroatividade e passa a aplicar-se a realidades já anteriormente reguladas, que por via do novo regime legal passam a ser marcadas por um tratamento desigual. XIII – A medida também não resolve qualquer problema no plano da justiça intergeracional, no ponto em que se não apresenta como um modelo de reforma consistente e coerente em que os cidadãos possam confiar, além de acentuar a situação de desigualdade, não apenas no que se refere aos atuais pensionis- tas, mas também em relação aos atuais contribuintes e futuros beneficiários do sistema de pensões.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=