TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se afirma no Acórdão n.º 418/13, perante a norma paralela do artigo 156.º, n.º 2, do Código da Estrada, que impõe a recolha de sangue em caso de acidente: «A recolha de amostra de sangue, envolvendo uma punção venosa e a subtração de material biológico que não seria naturalmente expelido pelo organismo, corresponde a uma interferência na integridade física de outrem. Porém, tendo em conta as características de tal intervenção – nomeadamente o facto de ser obrigatoriamente realizada em estabelecimento de saúde, com observância das leges artis médicas; o grau de afetação da integridade corporal envolvido, designadamente a duração, a dor ou incómodo infligido, bem como a reversibilidade da lesão, na perspetiva da facilidade de recuperação dos tecidos afetados e da sua (ir)relevância no contexto do funciona- mento global do organismo – poderemos concluir que se traduz numa violação do direito à integridade física do visado de grau muito baixo.» E, mais adiante: «8. Na linha do que já tem vindo a ser defendido pela citada jurisprudência do Tribunal Constitucional, pode- remos considerar que a admissibilidade da colheita de amostra de sangue, para exame do estado de influenciado pelo álcool, não comporta, por si, um juízo de desconformidade constitucional. Na verdade, como acabámos de recensear, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a considerar que a Cons- tituição autoriza, atendendo às finalidades em causa, e respeitadas as demais exigências constitucionais, a restrição dos direitos fundamentais à integridade pessoal, à reserva da vida privada ou à autodeterminação informativa (v.g., Acórdãos n.º 254/99 e n.º 155/2007, citados). E a recolha de amostra de sangue, nas específicas circunstâncias em análise no presente recurso, apesar de contender com o direito à integridade pessoal e o direito à reserva da vida privada do examinando, igualmente não comporta um juízo de desconformidade constitucional. A intervenção nos referidos direitos fundamentais dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efetiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos – a vida, a integridade física, a propriedade privada – abarcados pela proteção da segurança da circulação rodoviária. Ora, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à integridade pessoal não impede o “estabele- cimento de deveres públicos dos cidadãos que se traduzam em (ou impliquem) intervenções no corpo das pessoas ( v. g., vacinação, colheita de sangue para testes alcoolémicos, etc.)”, desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada, sem prejuízo da punição em caso de recusa (in Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 456).» Correspondendo a norma do artigo 153.º, n.º 8, do Código da Estrada, prevista para os casos de exames no âmbito da normal fiscalização rodoviária, à norma do artigo 156.º, n.º 2, do mesmo diploma, que regula os exames em caso de acidente de trânsito, a fundamentação do Acórdão n.º 418/13 é perfeitamente trans- ponível para os presentes autos, a isso não impedindo a efetiva recusa do arguido em submeter-se à colheita de amostra de sangue verificada nas circunstâncias do caso. Não está aqui em equação, repete-se, a realização coativa da recolha de amostra de material biológico (como aconteceu nos Acórdãos n. os 155/07 e 228/07), mas sim a incriminação do exercício da autonomia da vontade do arguido, com expressão no ato de recusa de sujeição a exame legalmente devido. Embora a via adotada comporte sanção criminal, com a subjacente contramotivação, não deixa de ser uma escolha (pela desobediência), imputável à livre e consciente autode- terminação volitiva do sujeito. 6.5. Importa, por último, tomar o argumento de que a colheita de sangue não é absolutamente necessá- ria para a realização da perseguição criminal, na medida em que se encontra legalmente prevista a realização de exame médico quando aquela não é possível.
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