TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
475 acórdão n.º 397/14 35 e ss. e Assunção Esteves, ob. cit. , p. 217 e ss.). Ponto é que tal ordem seja notória ou manifestamente ilegí- tima (assim, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, comentário ao artigo 347.º, § 15 e ss. Cfr., ainda, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2010, anotação ao artigo 21.º, pontos VII e XI). 5. Em face do já dito, é de concluir que a norma que é objeto do presente recurso, enquanto incrimina o comportamento daquele que desobedece a ordem de autoridade ou de agente de autoridade de submissão a prova de deteção de álcool no sangue através de pesquisa no ar expirado, não viola o artigo 21.º, primeira parte, da CRP. Estamos perante ordem de autoridade ou agente de autoridade legalmente prevista nos artigos 152.º, n.º 1, alínea a) , e 153.º, n.º 1, do Código da Estrada, cuja conformidade constitucional já foi testada por este Tribunal (Acórdãos n. os 319/95, 423/95 e 628/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Cfr., ainda, Relatório por- tuguês na 8.ª Conferência Trilateral, Itália, Espanha, Portugal, Tutela da vida privada e processo penal. Realidades e perspetivas constitucionais, disponível no mesmo sítio, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , anotação ao artigo 25.º, ponto XIII).» 6.4. A decisão recorrida acentua, é certo, a especificidade do método de recolha de material biológico comportada na previsão do n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada, dando relevo particular ao facto da submissão a exame nele prevista comportar uma punção venosa, ato de que decorre lesão cutânea e dor, assim contendendo com o direito à integridade física, mesmo que em grau muito reduzido. Consequências que estão ausentes na pesquisa de álcool através do ar expirado ou de exames médicos não intrusivos. Serão essas consequências idóneas a afastar a ponderação valorativa prevalecente das exigências de segu- rança rodoviária, as quais, não só protegem a vida e a integridade física de terceiros, como se reconhece na decisão recorrida, como também a vida e integridade física do próprio condutor submetido a exame, em termos de afastar inexoravelmente a obrigatoriedade de sujeição a tais operações de recolha de sangue? A resposta é claramente negativa. Desde logo, cumpre afastar a visão do tribunal a quo, que limita a justificação da incriminação à cessa- ção da conduta antijurídica, postergando por completo as finalidades preventivas da punição, mormente no plano da prevenção geral positiva. Na linha de raciocínio do tribunal a quo, cessada a condução, não mais haveria risco e, do mesmo jeito, faleceria razão para a perseguição criminal, mormente com a recolha de prova respeitante ao concreto valor da TAS que afetava o condutor no momento da fiscalização, o que não tem em atenção as razões de perigosidade social da conduta e de censurabilidade ética que justificam a insti- tuição de um crime de perigo abstrato, a par de infração contraordenacional, neste domínio (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.º edição, p. 163) Ao invés, sobrelevam as necessidades de tutela que se encontram associadas à sinistralidade rodoviária, em especial a que encontra nexo causal na afetação resultante da ingestão de álcool, cujo contributo para a mortalidade e para a incapacidade física permanente é especialmente preocupante em Portugal. Tais exi- gências justificam materialmente não só a edição de crime de perigo abstrato que sancione a condução sob a influência de TAS superior a 1,2 gr/l (cfr. Acórdão n.º 95/11), como a obrigatoriedade da submissão a ope- rações de deteção e quantificação da taxa de alcoolemia presente no sangue, mesmo que através de punção venosa, enquanto meio de revelação e de obtenção de prova quanto a facto com relevância penal. Com efeito, o disposto no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição, corolário do reconhecimento da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição), não implica que ao direito à integridade física seja reconhecida uma prevalência absoluta, imune a qualquer limitação, mas apenas uma “interdição absoluta das formas mais intensas da sua violação”, conforme resulta do seu n.º 2 (cfr. Pedro Garcia Marques, In Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, 2010, pp. 553 e 554). Intensidade que não tem correspondência na colheita imposta de sangue prevista no n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada, em que a interferência no corpo é muito reduzida – similar, por exemplo, a ações de vacinação que recaem sobre recém- -nascidos –, relevando ainda a circunstância de ser realizada em ambiente hospitalar e por pessoal de saúde qualificado (artigo 4.º, n. os 2 e 3, do Regulamento aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio).
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