TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
474 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, o Tribunal Constitucional, na jurisprudência referida, demonstra que a obrigatoriedade de realização de tes- tes de alcoolemia não afeta de modo constitucionalmente inadmissível os interesses pessoais do sujeito examinado (entendimento que agora se acolhe). Na verdade, está em causa a recolha de um meio de prova perecível no âmbito da prevenção e punição de comportamentos que põem em perigo a segurança rodoviária e os valores pessoais e patrimoniais inerentes. Não procede o argumento do recorrente, segundo o qual bastaria então impedir o condutor de prosseguir com o veículo. Na verdade, tal solução não satisfaria a eficácia preventiva das medidas de combate à condução sob o efeito do álcool (para além de pôr em causa os valores inerentes ao dever de respeito pela autoridade). Os bens que a norma visa proteger assim como a perigosidade das condutas a prevenir justificam e legitimam a medida normativa em questão. Por outro lado, o prejuízo do ponto de vista pessoal para o sujeito obrigado ao teste de alcoolemia não atinge o núcleo essencial indisponível de direitos fundamentais, não sendo desproporcionada a sua lesão em confronto com os bens que se pretende tutelar. Assim, afigura-se manifestamente despropositado e improcedente invocar, como faz o recorrente, uma “nova forma de tortura”.» 6.3. Mais recentemente, o Acórdão n.º 34/12, teve em atenção, como nos presentes autos, tipo penal de desobediência, por recusa de submissão a teste alcoolemia – embora aí por pesquisa no ar expirado – nos ter- mos conjugados dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal, 152.º, n. os 1, alínea a) , e 3, do Código da Estrada, por violação do direito de resistência dos particulares, consagrado no artigo 21.º da Constituição. Depois de sublinhar que, como no presente caso, o examinando “teve a liberdade de não se submeter a prova de deteção de álcool no sangue através de pesquisa no ar expirado, desobedecendo à ordem que lhe foi dada”, afirma-se a solvência constitucional da imposição de exame de deteção da presença de álcool no sangue, nos seguintes termos: «(…) 4. Ao atribuir aos particulares o direito de resistência, o artigo 21.º, primeira parte, da CRP concretiza o princípio da aplicabilidade direta dos direitos, liberdades e garantias, reafirmando o seu caráter obrigatório para as entidades públicas (artigo 18.º, n.º 1, da CRP), e justifica a resistência dos cidadãos a ordens destas autorida- des (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, p. 342 e Assunção Esteves, A Constitucionalização do Direito de Resistência, Lisboa, 1989, pp. 219 e 225 e segs.). O preceito constitucional não concede, porém, um poder normal de controlo dos atos das autoridades públi- cas. Pelo contrário, «o direito de resistência é a ultima ratio do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, por atos do poder público» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Almedina, p. 512), sendo-lhe apontada a nota inescapável da subsidiariedade, por referência às normas constitucionais – arti- gos 20.º, 202.º, n.º 2, e 268.º, n. os 4 e 5, e da CRP – que fazem do acesso aos tribunais e à justiça administrativa, de uma forma particular, o meio de defesa por excelência (neste sentido, Jorge Miranda, “O regime dos direitos, liber- dades e garantias”, in Estudos sobre a Constituição, 3.º volume, Livraria Petrony, 1979, p. 87, Vieira de Andrade, ob. cit. , pp. 342 e 344 e ss., e Maria Margarida Mesquita, “Direito de resistência e ordem jurídica portuguesa”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (160), 1989, p. 32 e segs.). Como se trata de um meio não jurisdicional que só tem sentido como ultima ratio , Vieira de Andrade não deixa de concluir que o direito de resistência só justifica o comportamento de um particular que resista a «atos evidentemente inconstitucionais (nulos) das autoridades», devendo o particular fazer dele «uso prudente, quando esteja convencido, pela gravidade e evidência da ofensa, de que há violação do conteúdo essencial do seu direito fundamental, até porque o risco de erro corre por sua conta» (“A nulidade administrativa, essa desconhecida”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 138.º, n.º 3957, pp. 346 e segs. e, especificamente, nota 55). No que se refere, especificamente, à incriminação da desobediência a ordem de autoridade ou agente de autoridade, é irrecusável que o direito de resistência limita o dever de obediência, conformando consequente- mente a relevância penal do comportamento do particular (sobre isto, Maria Margarida Mesquita, ob. cit. , p.
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