TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
473 acórdão n.º 397/14 Desde logo, tais direitos não proíbem a atividade indagatória do Estado, seja ela judicial, seja policial. O que o princípio do Estado de Direito impõe é que o processo ( maxime , o processo criminal) se reja “por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade” (cfr. Acórdão n.º 128/92, publicado no Diário da República , II Série, de 24 de julho de 1992). Ora, o exame para pesquisa de álcool, com o recorte que, nos seus traços essenciais, dele se deixou feito, destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal. Ao que acresce que o quadro legal que rege a matéria, na parte em que permite que os agentes de autoridade policial submetam, por sua iniciativa, os condutores ao teste de deteção de álcool, é de molde a garantir que a atividade policial, essencialmente preventiva, se desenvolva “com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (cfr. artigo 272.º da Constituição). Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para deteção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo. Relativamente ao direito ao bom nome e à reputação, é quem conduzir sob a influência do álcool, e não a sua submissão ao teste para a pesquisa de álcool, que estará a denegrir o seu bom nome e a abalar a sua boa fama, pois que – como se sublinhou no já citado Acórdão n.º 128/92 – um tal direito só é violado por atos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática da ações ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas desne- cessariamente (isto é, sem motivo legítimo) faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos. O direito à reserva da intimidade da vida privada – que é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respetivo titular (cfr., sobre isto, o citado Acórdão n.º 128/92) – acaba, natu- ralmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub iudicio não viola o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, que o consagra. De facto, não se trata, com o teste de pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a eventual violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar – o que, há de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor. Quanto ao direito à imagem, que, nas conclusões da alegação, o recorrente tem por violado, assinala-se que o seu objeto é o retrato físico da pessoa, em pintura, fotografia, desenho, slide, ou outra qualquer forma de repre- sentação gráfica, e não a imagem que os outros fazem de cada um de nós. Ele não consiste, por isso, num direito de cada pessoa a ser representada publicamente de acordo com aquilo que ela realmente é ou pensa ser. Consiste, antes, no direito de cada um a não ser fotografado, nem a ver o seu retrato exposto publicamente, sem o seu consentimento, e no direito, bem assim, a não ser “apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e male- volamente distorcida” (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 181. Cfr. também o já citado Acórdão n.º 128/82 e o Acórdão n.º 6/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 2.º, páginas 198 e seguintes). Sendo este o conteúdo do direito à imagem, não pode ele ser violado pela norma aqui em apreciação. Em consequência, o Tribunal Constitucional proferiu um juízo de não inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional reiterou esta jurisprudência no Acórdão n.º 423/95. Os fundamentos da jurisprudência referida são transponíveis, no essencial, para os presentes autos. Com efeito, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade da obrigação de sujeição ao teste de alcoolemia, invocando a violação da integridade física e moral das pessoas, constitucionalmente tutelada pelo n.º 1 do artigo 25.º da Constituição.
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