TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
472 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6.1. Em primeira linha, cabe questionar a propriedade da convocação da regra constitucional do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição quanto à apreciada norma incriminatória, e não norma ou interpretação normativa extraída da regulação processual penal dos meios ou métodos de obtenção de prova. Na verdade, o despacho recorrido não teve como objeto um problema de invalidade probatória, mas a questão de saber se a conduta imputada pelo Ministério Público ao arguido constituía crime, em termos de ser a acusação considerada manifestamente infundada e rejeitada, nos termos do artigo 311.º, n.º 2, alínea a) , e 3, alínea d) , do Código de Processo Penal. Nessa medida, o juízo constante da decisão recorrida foi exercido sobre os factos imputados e o direito substantivo aplicável, plano em que defrontou a questão da insolvabilidade constitucional da incriminação proposta pelo Ministério Público, e não da valorização de prova de qualquer natureza. Em causa nos autos está a conduta de recusa na sujeição a exame ao sangue e à inerente recolha de material biológico, ato que não chegou a ter lugar, afastando o problema do âmbito de proteção conferido pela Constituição quanto a provas obtidas coercivamente, cingindo a discussão à conformidade constitucio- nal da obrigatoriedade da sujeição a recolha de sangue para realização do exame que determina a presença de álcool no organismo e quantifica a respetiva Taxa de Álcool no Sangue (TAS). Contra este raciocínio pode opor-se que a proteção constitucional de direitos pessoais comporta um direito de recusa a suportar a sua agressão, enquanto manifestação da eficácia de direitos fundamentais com efeitos externos para além da lei e orientada para o caso concreto, incluindo naturalmente contra os atos praticados pelo Estado, mormente em sede de processo penal (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons- tituição da República Portuguesa, anotada, 4.ª edição, 2007, pp. 524 e 525), o que tem como corolário a ilegi- timidade de qualquer norma que sancione – e por maioria de razão de norma que puna criminalmente – tal conduta de recusa por parte do titular do direito subjetivo. Estaríamos, então, perante refração substantiva da injunção dirigida ao legislador adjetivo no n.º 8 do artigo 32.º da Constituição, e que este concretizou, no que às provas obtidas mediante ofensa à integridade física diz respeito, nos n. os 1 e 2 do artigo 126.º do Código de Processo Penal. Mas, mesmo nessa abordagem, o bem jusfundamental cuja tutela constitucional impõe, na ótica do tribunal a quo, a cedência do interesse processual penal encontra lugar no n.º 1 do artigo 25.º da Consti- tuição, onde se estabelece que a integridade imoral e física das pessoas é inviolável. E, ainda, estando em causa a recusa a uma ordem, o argumentário em que se suporta a decisão recorrida remete para o direito de resistência, consagrado no artigo 21.º da Constituição, aqui na dimensão negativa, de legitimação do não cumprimento de qualquer ordem que ofenda direitos, liberdades e garantias. 6.2. Novamente, o Tribunal foi já chamado a apreciar a conformidade constitucional do regime que preside à realização de exame para fiscalização de condução sob o efeito de álcool e da incriminação da conduta que obste à sua execução perante tais parâmetros (a par de outros, como o respeito pelo princípio Nemo tenetur se ipsum accusare e a reserva da vida privada). Em todas as pronúncias, o Tribunal afastou que seja colidente com a Constituição a imposição da realização de exames intrusivos no âmbito da fiscalização e deteção da influência na condução de veículos do consumo de álcool, como aparentemente considera o tribunal a quo. Assim, diz-se no Acórdão n.º 628/06, na senda de decisões anteriores: «(…) 5. A questão da obrigatoriedade da sujeição ao teste de alcoolemia já foi apreciada pelo Tribunal Constitucio- nal. Com efeito, no Acórdão n.º 319/95 ( www.tribunalconstitucional.pt ) o Tribunal Constitucional, apreciando a conformidade à Constituição da norma do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, que deter- minava a competência do agente da autoridade para a realização do teste, considerou o seguinte: A submissão do condutor ao teste de deteção de álcool (e, assim, a norma do artigo 6.º, n.º 1, que a permite) também não viola o dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, nem o seu direito ao bom nome e à reputação, nem o direito que ele tem à reserva da intimidade da vida privada.
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