TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
471 acórdão n.º 397/14 Mantendo-se inteiramente válido o entendimento constante do Acórdão n.º 397/11, contra o qual a decisão recorrida não aduz qualquer argumento novo, importa igualmente afastar a verificação de inconstitu- cionalidade orgânica, por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, na normação constante do n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada e, por consequência, na incriminação decorrente da conjugação desse preceito com os artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e 152.º, n.º 3, do Código da Estrada. 6. Por seu turno, a dimensão material em que o tribunal a quo suporta também a conclusão de incons- titucionalidade da norma incriminadora da conduta de recusa de submissão a exame ao sangue de condutor de veículo automóvel, toma como parâmetro infringido a regra de proibição probatória constante do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição, nos termos da qual são nulas as provas obtidas mediante ofensa à integridade física. Diz-se a esse propósito na decisão recorrida: « B) Inconstitucionalidade material No entanto, a inconstitucionalidade das disposições incriminadoras em análise não se fica pelo domínio da inconstitucionalidade orgânica. Qualquer restrição a direitos fundamentais constante em legislação ordinária deve respeitar o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, nos termos do qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao neces- sário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Em causa [está a] apreciação da constitucionalidade de uma recolha de prova para procedimento criminal ou contraordenacional, mediante ofensa à integridade física do arguido. Se o arguido não consentir em tal ofensa é sancionado criminalmente. Em termos lineares é isto que a lei em análise estabelece. Objetar-se-á que a recolha de sangue necessária ao estado de pesquisa de álcool, que implica uma punção venosa concretiza uma ofensa à integridade física pouco significativa. Não deixa de se reconhecer ser verdade, mas não é menos verdade que resulta de regras de experiência comum ser esta punção venosa bastante penosa para muitas pessoas sem apelo a sensibilidades especialmente embotadas ou desfasadas. De qualquer forma, seja qual for a enfatização da parca significação da agressão, julgamos que nenhum jurista hesitaria em considerar ofensa à integridade física, enquadrável no artigo 143.º, do CP, uma punção venosa não consentida em outra pessoa. Estamos por isso perante uma limitação legal ao direito à integridade física. Vejamos então qual o direito ou interesse constitucionalmente protegido que justifica esta limitação. Será, numa resposta imediata, a segurança rodoviária, e mediatamente a vida e integridade física de terceiros. Não é no entanto exato. A disposição em questão não se destina a impedir um condutor embriagado de conduzir, mas sim a obter provas necessárias ao seu sancionamento por um crime ou uma contraordenação já consumados, precisamente por conduzir embriagado. O impedimento imediato de conduzir a um condutor embriagado prescinde completamente do exame ao sangue em questão, como de resto resulta claro do artigo 154.º, n.º 1, do CE. Tratando-se de obtenção de provas para procedimento criminal ou contraordenacional cumpre chamar a apli- cação o artigo 32.º, n.º 8, da CRP, nos termos do qual são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspon- dência, ou telecomunicações. Esta disposição constitucional consagra uma proibição absoluta de métodos de obtenção de prova em processo penal que impliquem ofensa à integridade física da pessoa. É portanto a própria constituição que estabelece os limi- tes de colisão entre dois interesses constitucionalmente protegidos, com prevalência absoluta da integridade física. A disposição em aplicação criminaliza a recusa do arguido em consentir uma ofensa à sua integridade física para obtenção de provas contra si. Trata-se de coagir uma pessoa a consentir numa obtenção de prova que a Constitui- ção repudia. Está por isso inquinada de inconstitucionalidade, e deve ser também recusada por esta via. Note-se por último que este método de obtenção de prova nem sequer é absolutamente necessário, como decorre do próprio artigo 153.º, n.º 8, do CE, que prevê expressamente a realização de um exame médico caso a colheita de sangue não seja possível».
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