TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
462 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional (cfr., por exemplo, os Acórdãos n. os 319/00 e 460/11 e, entre outros autores, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 339); avaliação que se obtém mediante a ponderação da ratio das soluções em confronto e aferição destinada a determinar se a dife- renciação possui fundamento razoável. Neste domínio, o Tribunal Constitucional controla sobretudo o res- peito pela proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do legislador ordinário. Desta forma, como se afirmou no Acórdão n.º 202/99, a ampla margem de discricionariedade na con- creta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil tem como “limite a não consagração de regimes arbi- trários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade”. Para além disso, tem de ser respeitado o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, decorrente do próprio princípio geral do Estado de direito (artigo 2.º da Consti- tuição). Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas eleitas para a sua prossecução, devendo o legislador ajustar a sua projetada ação de modo a não conformar medidas desadequadas, desnecessárias ou excessivamente restritivas. 9. Deixadas estas considerações, importa, pois, atentar na teleologia que preside à opção legislativa impugnada. A decisão recorrida sublinha, com inteira propriedade, que a norma impugnada encontra inscrição em regime de insolvência cuja finalidade primordial reside na satisfação do interesse dos credores. É o que resulta do artigo 1.º do CIRE e se declara, de modo perentório, no n.º 3 do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, ao definir como “objetivo precípuo” do processo de insolvência “a satisfação, pela forma mais efi- ciente possível dos direitos dos credores” (sobre as finalidades do processo de insolvência no CIRE, cfr. José Lebre de Freitas, “Pressupostos objetivos e subjetivos da insolvência”, in Revista Themis , 2005, pp. 11 e 12). Finalidade que pode ser atingida através da liquidação universal do património do devedor insolvente ou, em alternativa, por via da confluência de vontades dos credores na aprovação de um plano de pagamentos, no âmbito da sua autonomia privada. Como salienta Menezes Cordeiro, a primazia da satisfação dos credores e a ampliação da autonomia da autonomia privada dos credores constituem os vetores principais do regime instituído no CIRE: “A reforma não se limitou a reconhecer a primazia da satisfação dos credores, como o objetivo último de todo o processo: ela consigna meios diretos para a prossecução desse encargo e, designa- damente: coloca nas mãos dos credores as decisões referentes ao património do devedor e à sua liquidação” ( ob. cit. , pp. 501 e 502). O incidente do plano de pagamento não se afasta dessa ratio , nem pode ser visto como inversão do para- digma da insolvência, acolhendo o predomínio do interesse (e da vontade) do devedor sobre os interesses dos credores. Pelo contrário, constitui uma alternativa ao curso comum do processo e à declaração de insolvência com todos os seus efeitos, por certo mais favorável ao devedor, mas sem preterir o interesse primordial do processo de insolvência: satisfação do interesse dos credores – de todos os credores – condição necessária do seu sucesso, avaliação que é deixada por regra ao livre exercício da autonomia dos titulares do direito credi- tício, em toda a sua amplitude, porque sem qualquer critério normativo condicionador. Como sublinham Carvalho Fernandes e João Labareda, “as medidas do plano devem ser tais que asse- gurem aos credores a satisfação dos seus interesses em medida que os leve a aceitá-lo, por ser, pelo menos, correspondente à satisfação que o prosseguimento do processo de insolvência, nas suas várias fases, razoa- velmente acarretaria” ( ob. cit. , p. 812). No mesmo sentido depõe José Alberto Vieira, quando refere: “a aprovação do plano de pagamentos resulta da aceitação de todos os credores, independentemente do peso relativo de cada credor na situação patrimonial do devedor. E basta a rejeição de um só credor para por em crise a aprovação do plano de pagamento. Sem unanimidade, o plano de pagamentos pode ser rejeitado” (“Insolvência dos não empresários e titulares de pequenas empresas”, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques , p. 265).
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