TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

461 acórdão n.º 396/14 veda o direito ao recurso da decisão que indeferiu o pedido de suprimento de aprovação dos credores que não aprovaram o plano de pagamentos por si apresentado, o mesmo não sucedendo em relação aos seus credores, que poderão recorrer da decisão que defira esse mesmo pedido de suprimento; ii) por outro lado, a norma em causa impede os devedores de impugnarem decisão que acarreta forçosa e necessariamente consequências gravosas para a sua situação pessoal e patrimonial, que seriam evitadas caso vingasse o plano de pagamentos, constituindo, nessa ótica, a opção legislativa uma restrição intolerável ao direito de acesso ao direito e aos tribunais, no seu confronto com a eventual realização dos direitos patrimoniais dos credores relacionados. 8. Na argumentação que desenvolvem, os recorrentes reconhecem que a jurisprudência deste Tribunal afasta que resulte da Constituição a garantia de um duplo grau de jurisdição em processo civil (cfr. conclusão B). Efetivamente, em matéria de direito ao recurso jurisdicional, o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente que não resulta da Constituição, em termos genéricos, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da Constituição (cfr., por todos, os Acórdãos n. os 44/08 e 339/11, acessíveis, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt , Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, nota XXI ao artigo 20.º, pp. 449 a 452, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada, volume I, 4.ª edição, nota XIV ao artigo 20.º, p. 418). Como se referiu, designadamente, no Acórdão n.º 202/99, o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Cons- tituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legal- mente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “carac- terizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n. os 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP). A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do pro- cesso penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais. Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões juris- dicionais. Refere Lopes do Rego: “fora do âmbito processual penal, vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência constitucional que a garantia de um duplo grau de jurisdição não goza de proteção gene- ralizada, não se podendo, nomeadamente, considerar incluída no direito de acesso aos tribunais – e gozando, consequentemente, o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de discricionariedade legislativa” ( Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, 2007, p. 853). Contudo, da não consagração de um direito ao duplo grau de jurisdição em processo civil não decorre que o legislador possa proceder arbitrariamente à regulação dos meios de impugnação das decisões judiciais. Para além da supressão ou inviabilização global da faculdade de recurso – limite que decorre da própria pre- visão constitucional de tribunais superiores –, as restrições ao direito ao recurso estão sujeitas aos princípios estruturantes do Estado de direito democrático e, de um modo especial, aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos invocados como violados pelos recorrentes. No que respeita ao primeiro, é entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento sem qualquer

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=