TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

460 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cujos créditos representem mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados pelo devedor, verifica- dos certos requisitos cumulativos (artigo 258.º, n.º 1). Caso aprovado por todos os credores, ou aprovado por credores que representem mais de dois terço do valor total dos créditos relacionados pelo devedor e suprida aprovação dos demais, o plano de pagamentos é homologado pelo juiz, seguindo-se, após trânsito, a declaração de insolvência do devedor no processo princi- pal, apenas com as menções da data e hora e identificação do devedor insolvente [artigos 36.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 259.º, n.º 1], não ficando o devedor privado dos poderes de administração do seu património nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência [artigos 39.º, n.º 7, alínea a) e 259.º, n.º 1]. Quando assim aconteça, a sentença de homologação do plano de pagamentos e a sentença de declaração de insolvência podem ser objeto de recurso ou de oposição por embargos pelos credores cuja aprovação haja sido judicialmente suprida (artigo 259.º, n.º 3). Para além disso, as sentenças de homologação do plano de pagamentos e de declaração de insolvência, bem como a decisão de encerramento do processo não são objeto de qualquer publicidade ou registo (259.º, n.º 5). Como apontam Carvalho Fernandes e João Labareda esse regime comporta “um benefício significa- tivo para o devedor que, por assim dizer, vê limitado o conhecimento da sua precária situação à esfera restrita daqueles a quem, no imediato, afeta” ( ob. cit. , p. 831). Também Catarina Serra, alude a que “o plano de pagamentos pode constituir uma solução discreta para o problema da insolvência da pessoa singular” ( O Regime Português da Insolvência, Almedina, 2012, p. 170). Acresce que, em virtude de não vir a ser aberto o incidente de qualificação da insolvência, pois o trânsito em julgado das sentenças de homologação do plano de pagamento e de declaração da insolvência opera o encerramento do processo (artigo 259.º, n.º 4), fica afastada a possibilidade desta ser declarada culposa. A doutrina aponta a influência que exerceu, neste ponto do regime do CIRE, o Chapter 13 plan pre- visto no US Bankruptcy Code, e também o acolhimento de figura similar no direito alemão, no âmbito dos quais são previstas ferramentas judiciais de imposição da redução de créditos e da aceitação de um plano de recuperação do devedor pessoa singular, em especial face a credores mutuários com garantia real (designado por cramdown power ). Refere, a este propósito, Catarina Serra: “O cramdown power tem origem, mais uma vez, no Direito norte-americano, mas estendeu-se com adaptações, a alguns ordenamentos europeus, desig- nadamente o alemão. Aplica-se – tanto ele como o seu equivalente alemão – tendencialmente no âmbito das medidas de recuperação. Na InsO, consagrou-se, em rigor, uma proibição de bloqueio (Obstruktionsverbot), com base na qual o juiz aprecia a oportunidade do Insolvenzplan relativamente ao grupo de credores que o rejeitou, devendo considerar que existe acordo de certo grupo sempre que a maioria dos grupos o tiver aprovado e for presumível que os credores desse grupo não ficarão, por efeito dele, numa situação mais des- favorável do que aquela em que se encontrariam na ausência dele” ( ob. cit. , pp. 169 e 170; vide igualmente Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Coimbra Editora, 2009, p. 320, nota 358; e Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, in O Direito, ano 137.º, 2005, III, p. 504). Caso tenha lugar o desfecho oposto – i. e. quando o plano de pagamentos não obtém aprovação de todos os credores relacionados, ou obtém apenas concordância de parte dos credores e não seja suprida a aprovação dos credores oponentes – é proferida sentença de insolvência nos termos gerais dos artigos 36.º ou 39.º, consoante o caso (artigo 262.º), a menos que, ao apresentar o plano de pagamentos o devedor tenha requerido, a título subsidiário, a exoneração do passivo restante, situação em que é aberto o respetivo inci- dente (artigo 254.º). Isto sem que o devedor possa impugnar por via de recurso a decisão judicial que negue o suprimento por si peticionado, por a tal obstar a norma cuja constitucionalidade vem questionada. 7. Entendem os recorrentes que este impedimento ao recurso infringe os princípios consagrados nos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 20.º, n. os 1, 4 e 5, da Constituição, no essencial, por duas ordens de razões: i) por um lado, porque procede a tratamento discriminatório dos devedores, na medida em que lhes

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