TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. Neste Tribunal, os autos prosseguiram para alegações, que apenas foram apresentadas pelos recorren- tes, extraindo as seguintes conclusões: « A) O presente recurso, conforme resulta do requerimento de interposição, pretende que seja declarada a incons- titucionalidade do teor do artigo 258.º n.º 4 do CIRE, o qual dispõe que “Não cabe recurso da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor”. B) É um facto que a Jurisprudência deste Tribunal segue o entendimento que, em processo civil, a Constituição da República não consagra um duplo grau de jurisdição. C) Porém, como bem refere A. Geraldes in Recursos em Processo Civil Novo Regime , 3.ª edição revista e atualizada, 2010, “sempre se deverá considerar como inaceitável e inconstitucional a exclusão arbitrária do direito de recorrer”, ou seja, tal direito não poderá ser coartado de forma discriminatória. D) E, no mesmo sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira em comentário ao artigo 20.º da Constituição in Constituição da República Portuguesa anotado , vol. I, pp. 161 – 165, 4.ª edição, Coimbra Editora referem que “Não existe, porém, um preceito constitucional a consagrar ‘a dupla instância’ ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os  31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Toda- via, o recurso das decisões que afetem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades e garantias, mesmo fora do âmbito penal, apresenta-se como garantia imprescindível desses direitos.” E) O artigo 258.º n.º 4 do CIRE ofende efetivamente o principio da igualdade estabelecido no artigo 13.º n.º 1 da CRP, nos termos da qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e afeta direitos fundamentais. F) Esta norma ao restringir o direito do devedor de recorrer da decisão que indeferiu o pedido de suprimento de aprovação dos credores que não aprovaram o plano de pagamentos por si apresentado e o mesmo não sucedendo em relação aos seus credores, que poderão recorrer da decisão que defira esse mesmo pedido de suprimento, quando é certo que é o devedor a parte mais fraca na correlação de interesses e como tal, aquele que necessita de mais proteção, é de uma manifesta injustiça e é de uma desigualdade gritante. G) Acresce que a decisão de não suprir a aprovação de credores implica o “desmoronar” da vida dos recorrentes porque está em causa uma decisão que influirá necessariamente sobre a sua capacidade jurídica que ficará natu- ralmente limitada, H) para além de que implica forçosa e necessariamente a apreensão e ulterior liquidação de todos os bens dos recorrentes por parte do Administrador da Insolvência, e mais, ficam os recorrentes privados da administração dos seus bens. [ v. g. artigo 38.º, alínea g) , do CIRE]. I) Conforme é referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18.03, “o incidente do plano abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa”. J) O indeferimento do pedido de suprimento da aprovação pelos credores do plano de pagamentos tem, como efeito obrigatório, a declaração de insolvência dos recorrentes na plenitude dos seus termos, conforme previsto nos artigos 262.º, 36.º e/ou 39.º, do CIRE e não a constante do artigo 259.º, n.º 1, do mesmo Código, cujos efeitos e consequências são totalmente distintos. K) É que, contrariamente aos efeitos limitados da declaração de insolvência prevista no artigo 259.º, n.º 1, do CIRE, a declaração na plenitude do artigo 36.º, do CIRE implica a publicidade e registo nos assentos de nas- cimento de cada um dos recorrentes, conforme o prevê o artigo 38.º, n.º 2, alínea a) , do CIRE, L) Ponderados os valores que se encontram em causa: por um lado a VIDA e o modus vivendi de um agregado familiar com filhos menores e, por outro lado, um mero crédito reclamado a ser ou não ressarcido, não se entende e não se pode aceitar, à luz da mais elementar noção de Justiça, a disparidade de tratamento entre Devedores e os credores. M) Assim sendo, forçoso será concluir que não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine simplesmente a possibilidade de recurso no caso em apreço!

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