TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

455 acórdão n.º 396/14 Quer dizer, afigura-se-nos que, atentos os interesses materiais envolvidos, o escrutínio da rejeição dos credores do plano de pagamentos apresentado pelo devedor, num único grau de jurisdição, se comporta nos limites cons- titucionais; não se exigindo, para os respeitar, que a situação haja de ser reapreciada por uma segunda instância. Na hipótese, os devedores argumentam com as ações de estado ou sobre interesses imateriais, cujo valor supera sempre o da alçada da relação (artigo 312.º, n.º 1, cód proc civ) e cujo recurso, ademais, comporta sempre efeito suspensivo [artigos 692.º, n.º 3, alínea a) , e 723.º, n.º 1, cód proc civ]. Mas as situações não são comparáveis à do processo de insolvência. Este não tem a natureza daquelas outras ações; estando a sua natureza bem evidenciada no artigo 1 º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Por outro lado, argumentam os devedores pela desigualdade que reflete o recurso da sentença homologatória do plano (artigo 259.º, n.º 3, cód insolv). E sobre este assunto valem os considerandos já realizados; quer dizer, o incidente de aprovação do plano constitui desvio ao processo comum da insolvência e em especial beneficio do devedor; só a plena salvaguarda dos interesses dos credores, mesmo nesta específica e sucedânea tramitação, viabiliza a sua aceitabilidade – e é esta necessidade de salvaguarda que aconselha o duplo grau de jurisdição, para a hipótese da sua viabilização judicial. Já a respetiva rejeição, cuja consequência é tão-só a de se remeter para o processo comum (a regra portanto) se basta com um único grau de avaliação. Argumentam ainda, e por fim, não haver, em contexto de plano de insolvência, limitação à possibilidade de recurso da sentença, homologatória ou não homologatória, do plano. Mas nem aqui as situações são comparáveis. Note-se qual seja o objeto do suprimento – a manifestação da vontade dos credores num certo sentido. Ora, em tema de plano de insolvência não há sequer lugar a um tal suprimento: a vontade dos credores é, apenas e tão-só, aquela que cada um manifestar, no uso da respetiva autonomia que lhe assiste (artigo 212.º cód insolv); e só, uma vez aprovado por eles o plano, é ele sujeito à homologação do juiz (artigo 214.º cód insolv). Distintamente no caso do plano de pagamentos em que o suprimento é o da própria aprovação, da feitura e configuração do próprio plano. Donde, também aqui, se por hipótese um plano aprovado vier a ver a sua homologação rejeitada, não mere- cerá dúvida a respetiva recorribilidade. Em suma tempos diferentes, o da aprovação e o da homologação – certo que a falta da 1.ª impede a sujeição à 2.ª, em qualquer caso; e que, na fatti specie do questionado artigo 258.º, n.º 4, apenas essa (a l.ª) é a que está em causa. Não se intui, portanto, que para o suprimento da aprovação dos credores a constituição imponha um duplo grau jurisdicional. O devedor tem tutela jurisdicional de um grau. A insolvência comporta um regime de regra ao qual se reconduz a frustração da especial vantagem concedida ao devedor, e refletida na sucedânea e incidental aprovação do plano de pagamentos. O regime legal não retrata desvio algum incomportável ao princípio de igual- dade (cit artigo l3.º, n.º 1); os interesses assumidos da dinâmica da insolvência centram-se na salvaguarda e tutela dos credores (artigo 18.º, n.º 2, final); por fim, o acesso à tutela jurisdicional efetiva existe também, concretizado na avaliação da situação de vida por um juiz, em um grau de jurisdição (artigo 20.º, n. os 4 e 5). Na hipótese, a avaliação realizada foi no sentido de detetar credores oponentes que, na ótica do juiz a quo eram, no plano apresentado pelos devedores (mesmo reformulado), “objeto de um tratamento discriminatório injustifi- cado”. Portanto, enquadramento no n.º 1, alínea b) , do artigo 258.º, cód insolv; a fazer arredar a possibilidade de ter a respetiva vontade por suprida. Do n.º 4, deste artigo, decorre a expressa irrecorribilidade da decisão. E não vemos que seja limitação que a lei constitucional censure.» 3. Inconformados A. e B. interpuseram recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n. os 1, alínea b), e 2, e 75.º, ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), e com vista à apreciação da inconstitucionalidade do artigo 258.º, n.º 4, do Código da Insolvência e de Recu- peração de Empresas, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, e 20.º, n. os 4 e 5, da Constituição. O recurso foi admitido.

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