TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
453 acórdão n.º 396/14 sem quaisquer restrições, é o acesso a um grau de jurisdição que constituirá, por assim dizer, a tutela jurisdicional mínima. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário; e ao legislador ordinário se reconhece, nesta matéria, margem razoável de discricionariedade na concreta conforma- ção da disciplina dos recursos, permitindo-se-lhe poder suprimir alguns tendo em conta, por exemplo, a natureza dos interesses envolvidos. Salvaguardadas os casos de estabelecimento arbitrário de limitação ao direito ao recurso em determinados processos ou situações, impondo um regime de desfavor não legitimado por qualquer justificação objetiva plausível (hipótese que poderá já representar a violação do princípio constitucional da igualdade), afigurar- -se-á, em regra, coberta pela Constituição aquela solução normativa que, para certo caso específico enformado por algum interesse substantivo que se lhe adeque, a ele molde, limite ou, até, suprima, a faculdade de impugnação para uma segunda instância. É o quadro em que se compreendem inúmeras das normas excludentes de recorribilidade que se encontram na ordem jurídica, em particular civilística. E é o quadro em que se integram normas várias do código da insolvência, exatamente assim excludentes. 2.2. É importante lembrar a contextualização do artigo 258.º, n.º 4. E sob essa ótica avaliar a sua conformidade à Constituição da República. A norma integra-se num contexto insolvencial, aliás confessado (artigo 252.º, n.º 4, cód insolv); e por conse- guinte num estado de impossibilidade de cumprimento de obrigações assumidas e já vencidas (artigo 3.º, n.º 1, cód insolv). É esta uma realidade que está presente; e que, naturalmente, condiciona as primordiais justificações substanti- vas da instância insolvencial em todas as suas vertentes. O processo de insolvência tem como finalidade primordial a satisfação do interesse dos credores (artigo 1.º, n.º 1, cód insolv) – o que pode ser feito, designadamente, através dos procedimentos comuns estabelecidos no código, pela forma prevista em plano de insolvência, ou no caso parti- cular das pessoas singulares, dentro de certas características que as excluem daquele plano (artigo 250.º cód insolv), ainda mediante a apresentação de um plano de pagamentos aos credores (artigo 251.º cód insolv). Note-se que o objetivo deste último plano, circunscrito a certos interessados, é exatamente o de escapar ao curso do processo comum de insolvência, ao qual constitui uma alternativa, embora sem nunca ofuscar aquela que é a resposta que o direito tem de dar ao (assumido) estado insolvencial do devedor, e que é sempre o da (maior) satisfação dos interesses (insatisfeitos) dos seus credores. O plano de pagamentos aos credores opera assim em bene- fício primordial do devedor insolvente (único que aliás é legítimo para o desencadear) permitindo-lhe uma solução discreta para a sua situação de quebra e evitando-lhe o estigma associado.” Porém, em desvio do procedimento comum; e, por causa dos interesses de direito material especialmente visados, e que são os dos credores, com o merecimento de uma palavra muito especial – e decisiva – destes. O mecanismo reflete o que pode designar-se como processo simplificado de insolvência, especificamente dire- cionado para a situação específica das tais pessoas singulares, e dentro de certos parâmetros e condicionantes. Reu- nidas essas condições (artigo 249.º cód insolv) pode o devedor apresentar um plano, mas que tem de refletir “uma proposta de satisfação dos direitos dos credores que acautela devidamente os interesses destes, de forma a obter a respetiva aprovação, tendo em conta a situação do devedor” (artigo 252.º, n.º 1, cód insolv). Retomamos e sublinhamos que é um procedimento desviante ao procedimento comum (aquele que, por regra, seria o aplicável); e que o código permite em homenagem e em favor de interesses (no caso do devedor) que, apesar de tudo, também tem como merecedores de acolhimento. Sem preterimento da primordial tutela – do interesse dos credores. Este procedimento sucedâneo, em beneficio do devedor, no quadro insolvencial de tutela primordial dos inte- resses dos credores, permite compreender melhor as restrições legais à respetiva viabilidade. O plano só é tido por aprovado se merecer a aceitação de todos os credores; quer dizer, a unanimidade (artigo 257.º, n.º 1, cód insolv). E este aspeto é fundamental.
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