TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para isso, há que ter presente, como se afirmou no Acórdão n.º 509/02 ( Diário da República , I Série-A, de 12 de fevereiro de 2003), que “este Tribunal, na esteira da Comissão Constitucional (cfr. Acórdão n.º 479, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 327, junho de 1983, pp. 424 e segs.), tem vindo a reconhecer, embora de forma indireta [no acórdão de que esta transcrição é feita esse reconhecimento é direto, fundando o julgamento de inconstitu- cionalidade a que se chegou], a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”. No caso, a vertente que pode ser posta em causa pelo não reconhecimento de um montante mínimo imune à dedução forçada, aliás como nos demais em que estava em causa a constitucionalidade da penhora de pensões ou salários, é a chamada dimensão negativa da garantia do mínimo de existência, isto é o reconheci- mento de um direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna. E, por outro lado, moderando a premência do lado do alimentando, há que levar em conta que a impossibilidade de realização coativa da prestação desencadeia a intervenção de prestações públicas que se filiam na tarefa do Estado de proteção à infância (artigo 69.ºda Constituição), nomeadamente a do “Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores”, criado pela Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e regula- mentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, que assegura o pagamento em substituição do progenitor de quem não foi possível obter a prestação através dos meios previstos no artigo 189.º da OTM, embora em montante não necessariamente coincidente com a da prestação em falta. (…) 8. Assim enquadrada a questão, pode voltar-se ao concreto juízo de desaplicação contido na decisão recorrida. Considerou-se nesta decisão que o requerido, toxicodependente, de paradeiro desconhecido e não exercendo qualquer atividade remunerada, não tem outros proventos conhecidos além da pensão social de invalidez no montante de € 189,54, de modo que, mesmo a adjudicação do necessário ao pagamento das prestações vincendas – € 75 mensais, menos portanto do que a dedução pretendida de € 100 ( € 75 + € 25) que se fosse deferida dei- xaria o rendimento remanescente reduzido a € 89,54 –, colocaria em eminente risco a sua subsistência. De modo que a norma da alínea c) do n.º1 do artigo 189.ºda OTM, interpretada no sentido de, não definindo qualquer montante mínimo isento, impor tal dedução, seria inconstitucional, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, contido no artigo 1.º da Constituição. Na verdade, mesmo na hipótese implícita na ponderação do tribunal a quo de limitação da dedução às prestações vincendas, o requerido ficaria com um rendimento rema- nescente de € 114,54, ainda claramente inferior ao valor do rendimento social de inserção, que no subsistema de solidariedade social se assume como o mínimo dos mínimos compatível com a dignidade da pessoa humana. Consequentemente, tendo presente o que anteriormente se disse sobre o que identifica e o que distingue a norma apreciada das hipóteses sobre que recaiu a jurisprudência formada a propósito do artigo 824.º do Código de Processo Civil, o juízo de inconstitucionalidade contido na decisão recorrida, que levou à desaplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da OTM, merece confirmação.» Partindo, então, do pressuposto de que o progenitor obrigado a alimentos não pode ser privado de qualquer quantitativo que não exceda o valor do rendimento social de inserção – tal como se verifica nos presentes autos – no momento em que foi proferida a decisão recorrida – momento relevante para a pon- deração dos direitos em causa, acolhe-se o entendimento preconizado pelo Acórdão acabado de mencionar, considerando-se assim feita a devida ponderação entre os direitos fundamentais conflituantes do recorrido e do respetivo filho menor. A afetação do “direito fundamental a uma existência condigna” do filho menor não se apresenta como desproporcionada, na medida em que nem a sua sobrevivência pode ser (juridicamente) obtida à custa da sobrevivência do seu progenitor, nem tão pouco aquele fica desprovido de mecanismos alternativos tendentes a acautelar a sua subsistência. Isto porque o “direito fundamental a uma existência condigna” do filho menor pode ser acautelado por via do mecanismo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Com efeito, tal como já fez o Acórdão n.º 306/05, importa reafirmar que o “direito fundamental a uma existência condigna”, de que o filho menor beneficia, se encontra suficientemente garantido pelo mecanismo
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