TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
429 acórdão n.º 367/14 8.3. Apesar de a jurisprudência constitucional supra transcrita se reportar, fundamentalmente, a prova pré-constituída (prova documental), não se vislumbram, no que concerne os presentes autos, boas razões para a afastar. Estando em causa declarações do ofendido – rectius , provas constituendas, ainda que documentadas em auto – o contraditório deve realizar-se aquando da respetiva aquisição, isto é, durante o interrogatório previsto nos n. os 3 e 5 do artigo 271.º do CPP. Apesar de este interrogatório não seguir os ditames do artigo 348.º, do CPP (cross-examination), certo é que é nesse momento que se revela mais importante conferir ao arguido, em cumprimento dos imperativos constitucionais, a possibilidade efetiva de contribuir para as bases da decisão. Obviamente que, integrando os autos (de declaração) os meios de prova elencados pela acusação, nada impede o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva. O uso efetivo deste direito, como é bom de ver, é algo que já não interessa ao princí- pio do contraditório nem ao seu recorte constitucional. Por outro lado, a previsão de prestação de declarações para memória futura – obrigatória, no caso dos crimes contra a autodeterminação sexual de menor – constitui, per se, uma compressão dos princípios da imediação e da oralidade, limitação essa que, apesar de constitucionalmente justificada (vide supra o ponto 7.2), não é mitigada pela obrigatoriedade de leitura daquelas declarações em audiência de julgamento. Na verdade, requerendo a oralidade que a atividade processual seja exercida na presença dos sujeitos processuais, por oposição a um “processo escrito”, é no mínimo estéril argumentar que a leitura – necessa- riamente “oral” – dos autos de onde constam as declarações ainda é reclamada por aquele princípio. Com efeito, os benefícios impulsionados pela oralidade, uma vez subtraídos ao “usufruto” do juiz do julgamento, estão, à partida, perdidos, e só poderão ser recuperados caso este entenda ser necessário para a descoberta da verdade material, possível e não atentatório da saúde física e psíquica da vítima menor a prestação de novo depoimento em sede de julgamento (cfr. os artigos 271.º, n.º 8, e 340.º do CPP). Finalmente, alçam-se vários obstáculos à argumentação de que a leitura obrigatória das declarações decorre do princípio da publicidade da audiência, enquanto “trave-mestra” de um processo acusatório. Desde logo porque, nos crimes contra a autodeterminação sexual, a concordância prática dos interesses em presença já impõe, por si mesma, evidentes compressões ao princípio da publicidade, as quais encontram consagração, no direito infraconstitucional, nos artigos 87.º, n.º 3, e 88.º, n.º 2, alínea c) , do CPP. Acresce que a leitura das declarações em audiência não tem arrimo na teleologia normativa inerente ao princípio da publicidade, que é a de “dissipar quaisquer desconfianças que se possam suscitar sobre a inde- pendência e a imparcialidade com que é exercida a justiça penal” (Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 222). Aquela, por ressonância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), reclama não só uma justiça efetiva, como também uma “aparência de justiça”, pois, como se enfatizou no Acórdão n.º 279/01 (já mencionado), “a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais ao administrarem a justiça atuem de facto em nome do povo”. Contudo, o princípio (fundamental) da publicidade basta-se, neste capítulo, com a leitura da sentença (cfr. artigo 87.º, n.º 5, do CPP) e com a “disponibilidade pública das razões da decisão” (José António Mouraz Lopes, A fundamentação da sentença no sistema penal português – Legitimar, diferenciar e simplificar , Almedina, Coimbra, 2011, p. 101), algo que só de per se já permite ao público a fiscalização da decisão e possibilita à comunidade o conhecimento daqueles elementos tidos por fundamentais e decisivos para a formação da convicção do julgador (cfr. o Acórdão n.º 27/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . 9. Tanto basta para concluir que o presente segmento normativo não comporta violação dos princípios do contraditório, da oralidade, da imediação e da publicidade da audiência, nem dele resulta qualquer com- pressão das “garantias de defesa” do arguido a que se refere o n.º 1 do artigo 32.º da CRP.
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