TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

427 acórdão n.º 367/14 4 – É permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira. (…)» O preceito transcrito contém uma série de derrogações ao disposto no artigo 355.º, n.º 1, do CPP, que consagra, como regra geral, que a produção de toda a prova a ser utilizada para efeitos de fundamentação da decisão judicial tem de ser feita em audiência de julgamento. A par das declarações para memória futura, essa leitura apenas é admitida quando estejam em causa: (1) declarações prestadas perante juiz, na parte necessá- ria ao avivamento da memória de quem declarar, na audiência, que já não recorda certos factos, ou quando houver entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias; (2) declarações prestadas perante juiz, Ministério Público ou órgãos de polícia criminal, se houver consenso entre os sujeitos processuais (cfr. José Damião da Cunha, ob. cit. , p. 406, e Joaquim Malafaia, «O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos atos de instrução e nas declarações para memória futura», in RPCC , ano 14, 2004, p. 521). Na verdade, este regime severamente limitativo funda-se naquilo que a doutrina reputa de “imediação material”, ou seja, num imperativo de utilização da melhor prova disponível ou de recurso, em primeira linha, às fontes imediatas ou originais de informação (cfr. Sandra Oliveira e Silva, ob. cit. , p. 238). Asserção semelhante foi veiculada, por este Tribunal, no Acórdão n.º 90/13 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ): «(…) Daí que, sendo a prova testemunhal em sentido amplo, quanto à sua formação, uma prova constituenda, como regra geral se proíba a admissão em julgamento de anteriores declarações processuais. Na verdade, este tipo de prova, em fase de julgamento, só está imune a qualquer juízo de desconfiança relativamente à sua autenticidade e credibilidade quando ela é produzida perante o julgador, aos olhos do público e com o contributo dialético dos sujeitos processuais. É essa desconfiança que, na opção legislativa, não permite a transmissibilidade daquelas decla- rações para a fase de julgamento. (…)» 8. Da obrigatoriedade da leitura das declarações em audiência de julgamento 8.1. Porém, como decorre da delimitação do objeto do recurso já ensaiada, a questão de constituciona- lidade em causa nos presentes autos não tem que ver com a admissibilidade das declarações para memória futura, no quadro das garantias de defesa do arguido, mas antes com a não obrigatoriedade da leitura, em audiência de julgamento, dos autos em que as mesmas se encontram transcritas ou reproduzidas. Acrescente- -se, ainda, que não é tarefa deste Tribunal controlar o iter hermenêutico percorrido pelo tribunal recorrido, à luz das regras gerais sobre a interpretação jurídica e das suas especificidades no direito penal e no processo penal, nem tampouco indagar da bondade da solução legislativa subjacente à interpretação normativa sufra- gada nos autos. Ressalvados estes aspetos, tudo está em saber se a obrigatoriedade de leitura em audiência decorre de algum dos princípios constitucionais supra excogitados, e, em caso afirmativo, se a compressão decorrente da opção legislativa contrária é suscetível de encontrar arrimo bastante noutros princípios ou interesses consti- tucionalmente protegidos. 8.2. A questão tem recebido tratamentos diferenciados por parte da jurisprudência (cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 17.ª edição, 2009, p. 650) e da doutrina penalista. No sentido da obrigatoriedade da leitura das declarações, invocam-se, desde logo, os princípios da orali- dade e da publicidade, porquanto a prática de dar por lidos os autos de declaração impede o público em geral de acompanhar a produção de prova e prejudica o respetivo convencimento sobre a justiça da decisão (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2008, p. 223), lançando desconfianças

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