TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
424 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito. 5 – A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais. 6 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º. 7 – O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e a acareações. 8 – A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiên- cia de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar. (…)» 6.1. Delimitação do objeto do recurso Apesar de a interpretação normativa que integra o objeto do presente recurso ter sido ratio decidendi do acórdão do TRL, revelam-se necessárias algumas precisões adicionais por forma a que o juízo a proferir sobre a constitucionalidade da norma seja plenamente inteligível para os destinatários da mesma e para os operadores do direito em geral. Assim, questiona-se a validade do artigo 271.º, n.º 8, do CPP, com o sentido já apontado e na pressu- posição de que, por um lado, as declarações para memória futura constituíram meio de prova indicado pelo Ministério Público no despacho de acusação, e de que, por outro, o arguido nada requereu, no decurso de fase de julgamento, a propósito da reprodução ou leitura, em audiência, de tais declarações. 7. As declarações para memória futura 7.1. O instituto das declarações para memória futura reporta-se a um conjunto excecional de casos em que é admissível proceder à inquirição de testemunhas em fases anteriores à do julgamento, podendo tal depoimento, se necessário, ser tomado em conta em julgamento e contribuir para a formação da convicção do julgador. Na hipótese de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, a inquirição do ofendido, pelo juiz, durante a fase de inquérito, tornou-se mesmo obrigatória (cfr. artigo 271.º, n.º 2, do CPP), desde as alterações produzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto. Ao contrário dos demais casos de declarações para memória futura, assentes num juízo de prognose quanto à impossibilidade de o declarante estar presente na audiência de julgamento, a doutrina sublinha que, nos crimes contra a autodeterminação sexual de menor, a prestação de declarações, bem como o seu caráter obrigatório, radicam numa “opção protetora” do ordenamento jurídico justificada pela especial vulnerabili- dade do ofendido (cfr. ainda o artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 42/2010, de 3 de setembro, doravante designada “Lei de Proteção de Testemunhas”). Com efeito, visa-se não só assegurar a genuinidade e a credibilidade das declarações prestadas, mas também, no quadro das recomendações do direito europeu sobre a matéria, mitigar o efeito de vitimização secundária que a repetição das inquirições inelutavelmente comporta [cfr. António Miguel Veiga, «Notas sobre o âmbito e a natureza dos depoimentos (ou declarações) para memória futura de menores ou vítimas de crimes sexuais (ou da razão de ser de uma aparente “insensibilidade judicial” em sede de audiência de jul- gamento», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19, 2009, p. 107, e ainda Rui do Carmo, «Decla- rações para memória futura – Crianças vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual», in Revista do Ministério Público, n.º 134, 2013, p. 123]. Tal intenção é, aliás, expressamente coonestada pelo artigo 28.º da Lei de Proteção de Testemunhas. 7.2. O imperativo constitucional de concordância prática entre o interesse da vítima, o interesse da des- coberta da verdade material e a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido (cfr. o artigo 18.º, n.º 2, da CRP) reclama naturalmente que as cedências ou compressões de cada um destes direitos ou interesses
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