TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

419 acórdão n.º 367/14 Todavia, este princípio, comportando exceções, aceita-as sob reserva da proteção dos direitos de defesa, que impõem que ao arguido seja concedida uma oportunidade adequada e suficiente para contraditar uma testemunha de acusação posteriormente ao depoimento, sendo apenas os direitos de defesa limitados de maneira incompatível com o respeito do princípio e sempre que uma condenação se baseie, unicamente ou de maneira determinante, nas declarações de uma pessoa que o arguido não teve oportunidade de interrogar, seja na fase anterior, seja durante a audiência. (…) Em certas circunstâncias, com efeito, pode ser necessário que as autoridades judiciárias recorram a declarações prestadas na fase do inquérito ou da instrução, nomeadamente quando a impossibilidade de reiterar as declarações é devida a factos objetivos, como sejam a ausência ou a morte, ou por circunstâncias específicas de vulnerabilidade da pessoa (crimes sexuais); se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais declarações posteriormente, a sua utilização não afeta, apenas por si mesma, o contraditório, cujo respeito não exige, em termos absolutos, o interrogatório direto em cross-examination. O princípio do contraditório tem, assim, uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspetiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer deci- são que afete o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade de se pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que aos outros sujeitos processuais (a “parte” adversa). O modo de prestação de declarações para memória futura respeitou, como já se disse, os elementos essenciais do contraditório, dadas as garantias que o n.º 2 do artigo 271.º do CPP estabelece: o arguido pôde estar presente na produção (não esteve no caso dos autos devido a despacho judicial, mas foi desde logo informado do teor das declarações para memória futura prestadas pela ofendida, a sua filha menor), esteve representado na diligência por advogado, tendo sido assegurado assim e sem qualquer margem para dúvidas a possibilidade de confrontação em medida substancialmente adequada ao exercício do contraditório (artigo 271.º, n.º 2 e 3 do CPP). (…) Ora adotando este Tribunal a mesma opção quanto à questão levantada pelo recorrente, decorre que não há qualquer reparo a fazer quanto à menção expressa de facto ao teor das declarações para memória futura para alicer- çar a convicção do Tribunal a quo, pela simples e linear ordem de razões de que não há necessidade de se proceder a tal leitura em audiência de discussão e julgamento (ou a audição do suporte áudio, nos casos em que não existe transcrição), não se tendo violado o princípio do contraditório, inexistindo assim e por arrastamento qualquer erro notório de apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] na sentença recorrida (…). Uma vez que o princípio do contraditório estava já anteriormente e plenamente garantido no caso dos autos, teremos que forçosamente concluir que o artigo 271.º do Código de Processo Penal não se encontra ferido de qualquer inconstitucionalidade no segmento em apreço e apontado pelo arguido, ou seja, que a não leitura em audiência de discussão e julgamento das declarações para memória futura acarrete os resultados que eram preten- didos pelo arguido, o que se declara. (…)» 3. Notificado para alegar, nos termos do artigo 79.º da LTC, o recorrente formulou as seguintes conclusões: «(…) 1. Nos presentes autos a condenação do recorrente foi fundamentada com base no depoimento prestado pela Ofendida para memória futura. 2. Acontece que, não foi prestado depoimento em audiência de julgamento pela Ofendida, nem justificada qualquer impossibilidade de ser obtido esse depoimento. 3. E, essas declarações também não foram lidas, nem submetidas a contraditório.

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